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José Furtado de Lacerda nasceu em 21 de novembro de 1875, e era filho de Nazário Furtado de Lacerda e Maria dos Anjos Furtado, sendo batizado em 26 de dezembro do mesmo ano. Inquieto e talentoso, o Padre Lacerda foi ordenado em Fortaleza, no dia 30 de novembro de 1901, apesar do seu requerimento feito em agosto de 1900, onde declarou seu patrimônio e suas intenções junto a diocese.

Em 24 de fevereiro de 1902, tornou-se vigário de Saboeiro, ocupação exercida até 02 de outubro do ano seguinte, quando foi suspenso de suas ordens, sendo reabilitado em 14 de dezembro de 1903. Posteriormente, assumiu também o posto de vigário em Santa Quitéria, Cachoeira e Senador Pompeu, optando por encerrar seus dias como sacerdote em seu berço natal, o distrito de Coité.

Sobre a suspensão de ordens do Padre Lacerda, Otávio Ayres de Menezes, um dos mais importantes memorialistas de Juazeiro do Norte, e da região, relata que durante sua atuação no Serviço de Combate à Febre Amarela, período em que percorreu boa parte das cidades da região, foi em muitas oportunidades recepcionado pelo padre, por quem nutria amizade, e compartilhava longas palestras. Em uma dessas ocasiões, Otávio indagou o sacerdote sobre sua suspensão de ordens, e se diante de sua irreverência e desapego as normas da igreja, não temeria ele nova suspensão.

Lacerda respondeu a Otávio, fazendo valer sua fama de opinioso, que seu seminário fora pago por seu pai, seus paramentos haviam sido comprados por ele próprio, e que a capela onde celebrava tinha sido concluída com seus recursos, e que assim sendo, nada devia ao bispo.

O Fogo do Coité, e situações como a citada acima, formaram sobre o Padre Lacerda uma impressão de que ele era um sujeito vontadoso, orgulhoso, valente e talvez arrogante. Ao visitar o distrito de Coité, e entrevistar os moradores do lugar, percebi que a realidade era outra. Citaram eles muitos exemplos de desapego material do religioso, e principalmente, seu papel como pastor de seus fiéis.

Contou-me D. Damiana, que era comum aos antigos moradores de Coité e adjacências, consultarem o Padre Lacerda em casos de viagens, aquisições ou vendas, e até mesmo situações familiares. Ao longo dos anos, diante das consequências de seus conselhos, o padre tomou aura mística entre os habitantes do lugar. Seus conselhos eram seguidos a risca, e suas previsões eram sempre levadas em conta.

Na década de 1930, em um registro fotográfico feito por Pedro Maia, o Padre Lacerda pôde ser visto com esse aspecto de mansidão e humildade. Muito diferente do homem que fez fama nos tribunais da região, onde exercendo a função de advogado, atraia muitos interessados em seus argumentos bem construídos e sua perspicácia, e a quem pertencia a icônica quadra:

Na batina sou um padre

No gibão sou um vaqueiro

No fuzil sou um soldado

No rifle um cangaceiro

Em 28 de janeiro de 1939, deu seu último suspiro o sacerdote vaidoso e brilhante,  que foi capaz de dar combate e vencer o temido, Sinhô Pereira, primeiro chefe de Lampião, e cangaceiro de muita expressão. Restaram do padre itens valiosos, como o casarão em que ele viveu, que apesar de desfigurado, possui ainda os relevos de sobreporta e as torneiras por onde os rifles eram colocados em caso de ataque.

Também permaneceram seus paramentos originais, que merecem mais atenção por parte da diocese, tendo em vista o delicado estado de conservação em que se encontram, mas a principal permanência está na memória popular do lugarejo, onde o Padre Lacerda permanece tão vivo, que é possível sentir sua presença, nas histórias e causos contados pelos moradores.

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Roberto Junior
Acadêmico de História na Universidade Regional do Cariri (URCA), foi secretário geral do Instituto Cultural do Cariri (ICC) e conselheiro de cultura do Crato. Fundou o Cariri das Antigas em 2014, e desenvolve pesquisas na área de História Política e Social. Atuou como bolsista da FUNCAP no projeto "Biopoder, Saúde e Saber médico: O Hospital Manuel de Abreu e as práticas de cura e controle da tuberculose na Região do Cariri nos anos de 1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Egberto Melo. É diretor administrativo do Clube do Automóvel do Cariri - Siqueira Campos, sendo o historiador responsável pela edição do periódico do clube, fruto de suas pesquisas acerca da história do automóvel no Brasil, com recorte entre as décadas de 1890 e 1990. Tem como pesquisa de trabalho de conclusão de curso, a História e Desenvolvimento da Aviação no Cariri, com enfoque principal na atuação do Correio Aéreo Militar.