Missão Nova é um lugar de peculiaridades. Apesar do nome, não tem nada de nova, é um dos pontos de ocupação mais antigos do Cariri, e há tempos merecia uma visita nossa, e foi ela justamente o destino de nossa primeira expedição de 2021. Planejada há meses, por recomendação dos responsáveis pelo Ateliê Padre Cícero, a visita ao imóvel era por mim muito aguardada.

Enquanto o carro sacolejava pela estreita estrada em asfalto, eu buscava a cumeeira do chalé encantador, e que visão eu tive. Sob uma frondosa árvore, um grupo de senhores palestrava alegremente, enquanto ao fundo, saudoso, o casarão testemunhava a mais uma das centenas de reuniões que seu terreiro vivenciou.

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Deixei o carro antes do cancelão, e adentrei ao terreiro, dando um sonoro bom dia, no que gentilmente fui correspondido. Após me identificar, fui ainda mais bem recebido, e  rapidamente choveram interrogações sobre a história do Cariri, especialmente sobre minha terra de procedência, o Juazeiro do Padre Cícero.

Panorâmica do casarão e seus anexos.

Enquanto isso, Wilson Cruz, o dono do imóvel, animado e interessado, distribuía café aos presentes. Aquele café forte e adocicado, que não se encontra com facilidade nas cozinhas da cidade. Vez ou outra, de rabo de olho, eu fugia da conversa para admirar ao casarão e seus anexos, que de tão bem conservados, me transportavam para tempos há muito idos, faltando somente o cheiro de mel de engenho, e o ronco do motor do Jeep Willys Overland de Antonio Ageu, manobrando no pátio em busca de sombra, ou em tempos mais recentes, e Belina de Chicô Cruz.

Após muitas pautas históricas, adentrei o imóvel e o conheci em detalhes. Não é uma casa grande comum, imponente e bem acabada por fora, e rustica por dentro. Esse casarão é especial, até mesmo as colunas dos alpendres, o armazém e a garagem, são detalhados e bem construídos, sendo que estes últimos já tem indícios de arquitetura Art Déco.

Adquirida durante a Primeira Guerra Mundial, por Antonio Ageu Araruna e Marquesina Leite Araruna, a vasta propriedade possuía uma antiga casa grande, com fundações do Séc.XIX, que foi reformada e tomou as linhas atuais, tendo como responsáveis pela execução da obra, ninguém menos que Joaca Rolim e Mestre Augusto.

Também foram erguidos outros anexos, dentre eles o engenho de cana. Extremamente produtiva, a propriedade também comtemplava cereais, gados e outras culturas. Tamanha fartura permitia algumas benesses aos proprietários, que montaram um quarto especial para receber aos membros do clero cearense, dentre eles o próprio bispo, com piso em ladrilho hidráulico e forro em madeira. Outra singularidade era o fornecimento de energia. Além de possuir um automóvel, item bastante restrito para o período, Antonio Ageu possuía um potente gerador de energia, possuindo eletricidade em seu casarão décadas antes da chegada da energia da CHESF.

Nascido em 23 de junho de 1892, Antonio Ageu morreu em 13 de setembro de 1967. Rico proprietário de terras e imóveis em outras cidades da região, reencontrou Dona Marquesa somente em 06 de abril de 1975. Sem filhos biológicos, o casal adotou Melquiades e Maristher Cavalachy, sobrinhos de Dona Marquesa, filhos de sua irmã, Esther, que nasceram do matrimônio com o tipografo grego, Aggélus Cavalache, mais comumente chamado de Angelus ou Ângelo.

Após a morte do casal, a propriedade entrou em declínio financeiro, proveniente principalmente da seca, e da concorrência da Usina Manoel Costa Filho. Em 1979, os herdeiros precisaram vender a propriedade, que teve como adquirente, Francisco Cruz Macedo, popularmente conhecido como Chicô Cruz, que ali estabeleceu residência com sua família.

Quatro décadas depois, o imóvel permanece habitado, tendo como guardião de suas memórias e estruturas, Wilson Cruz, filho de Chicô Cruz. Homem gentil, receptivo e de ótima conversa, foi responsável por nos receber, e orgulhosamente nos mostrou a herança que cuida e habita. Na hora que dei partida no carro, cruzei o cancelão com o peito cheio de alegria, ciente de que aquele casarão e suas memórias estão em boas mãos, e assim permanecerão por muito tempo ainda.

Por fim, deixo meus agradecimentos especiais à meu pai, que foi companheiro nessa expedição, à Wilson Cruz, pelo excelente café e ótima prosa, e Socorro Cavalachy, figura essencial para a realização do levantamento histórico, que com seu derrame de emoções e lembrança de seu lar de infância, possibilitou a mim, e consequentemente ao leitor, conhecer mais sobre o passado desse imóvel magnífico.

ASSISTA ABAIXO O VÍDEO DE NOSSA VISITA, E CONFIRA A GALERIA DE FOTOS:

O receptivo e inteligentíssimo, Wilson Cruz, atual guardião do casarão.
Detalhes da calçada.
Piso em pedra tosca do pátio.
Garagem, e ao lado, as ruínas da casa de um dos antigos moradores da propriedade.
Magnífico fogão a lenha.

 

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Roberto Junior
Acadêmico de História na Universidade Regional do Cariri (URCA), foi secretário geral do Instituto Cultural do Cariri (ICC) e conselheiro de cultura do Crato. Fundou o Cariri das Antigas em 2014, e desenvolve pesquisas na área de História Política e Social. Atuou como bolsista da FUNCAP no projeto "Biopoder, Saúde e Saber médico: O Hospital Manuel de Abreu e as práticas de cura e controle da tuberculose na Região do Cariri nos anos de 1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Egberto Melo. É diretor administrativo do Clube do Automóvel do Cariri - Siqueira Campos, sendo o historiador responsável pela edição do periódico do clube, fruto de suas pesquisas acerca da história do automóvel no Brasil, com recorte entre as décadas de 1890 e 1990. Tem como pesquisa de trabalho de conclusão de curso, a História e Desenvolvimento da Aviação no Cariri, com enfoque principal na atuação do Correio Aéreo Militar.