Quando iniciei a série de publicações sobre arte tumular no Cariri, meu objetivo principal era mapear e documentar os túmulos de maior relevância estética e histórica da região. Comecei com o túmulo de um grande sertanejo, o Beato José Lourenço, líder do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, e em seguida, documentei o túmulo da Beata Mocinha, mulher de fibra, que durante décadas cumpriu a missão de ser a governanta da casa do Padre Cícero, estando os supracitados no Cemitério de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
Infelizmente, ao escrever esse artigo, sinto grande angústia. Documentar um túmulo é também evocar a memória de quem ali descansa, e a figura hoje retratada não teve esse direito. A Beata Maria de Araújo faleceu em 17 de janeiro de 1914, durante a Guerra de 1914, e sua morte rapidamente foi envolta em santidade, dizendo o povo de Juazeiro, que a Beata do Milagre da Hóstia, mais uma vez se sacrificou pela cidade, dando sua vida pela vitória das forças juazeirenses sobre as forças legalistas do governo do estado, e de fato, o exército daqui marchou até a capital, e foi vitorioso.
O Padre Cícero foi bastante censurado e retaliado, mas seu sofrimento não se compara ao da beata. Humilhada, submetida a castigos físicos, enclausurada, riscada durante décadas das páginas históricas de Juazeiro e região, Maria de Araújo não teve direito sequer ao descanso eterno.
Apenas 13 anos decorridos de seu sepultamento, seu túmulo foi violado, e seus restos mortais têm destino desconhecido até hoje. Em 22 de outubro de 1930, arbitrariamente e ilegalmente, foi ordenada a derrubada do túmulo. A Beata Maria de Araújo fora ali sepultada em 18 de janeiro de 1914, em meio a grande comoção popular, o Padre Cícero, que sempre interveio em seu favor durante sua vida, também o fez após sua morte, mandando construir um caixão em cedro, e um velório e sepultamento dignos.
Indignado com a situação, o Padre Cícero reuniu testemunhas e seguiu até o cemitério, onde já encontrou a sepultura aberta, com os restos do caixão, e da beata, somente um fragmento do crânio e alguns escapulários. Tais relíquias foram encerradas em um pote de vidro, que também teve destino desconhecido. Assim como os panos ensanguentados foram perseguidos e queimados, restando muito poucos, o corpo da beata também foi desrespeitado.
Atribui-se ao então vigário de Juazeiro do Norte, Monsenhor José Alves de Lima, a responsabilidade pelo ocorrido, entretanto, não é possível precisar se houve intervenção de autoridade superior, uma vez que a Diocese do Crato estava sem bispo, diante do falecimento de Dom Quintino.
O fato é que décadas após, a própria diocese tomou partido nas buscas pelos restos mortais de Maria de Araújo, não tendo obtido êxito até o momento. Felizmente, Maria de Araújo hoje tem sua memória mais valorizada, e o culto a seu milagre tem tido nela um referencial, mas ainda seguimos perguntando: onde estão os restos mortais de Maria de Araújo, a Beata do Milagre de Juazeiro? Queremo-los, para junto a família, proporcionar a ela um túmulo e local de visitação.