Dentre as muitas histórias e causos que envolvem a figura do Padre Cícero, a mais famosa e viva na oralidade popular talvez seja o conto de origem da procissão de Nossa Senhora das Candeias.

A romaria tem muitas versões sobre sua origem, mas como o objetivo dessa série de publicações é registrar os causos e contos, deixarei a análise histórica da romaria em si para um outro momento.

Relatam que certo dia, dentre as muitas visitas que o Padre Cícero recebia diariamente, chegou um homem de aspecto sofrido, e relatou ao sacerdote que passava por um momento de muita necessidade, tendo mulher e filhos, um deles recém nascido, e quase nenhuma arrecadação em sua profissão.

A Beata Mocinha distribuía esmolas diariamente as pessoas em situação de rua, a mando do Padre Cícero, e nesse caso, o religioso poderia simplesmente ter entregado a esmola ao sujeito e o dispensado.

Mas o Padre Cícero era um homem de aguçada inteligência, e viu naquele sujeito um meio de resolver suas necessidades de modo efetivo, coisa que uma esmola não faria.

Indagando o homem sobre seu ofício, o padre tomou ciência de que o sujeito era flandreiro. Ordenou então que recolhesse seus últimos vinténs, juntasse com mais alguns que ele iria dar, e produzisse quantas lamparinas fosse possível.

O homem, que há muito amargava a ausência de clientes para suas lamparinas e outros artefatos em flandre, rebateu o padre, que o tranquilizou e o mandou para casa.

Vacilante, o homem obedeceu ao padre, e a sua pequena oficina ficou repleta de lamparinas, e seu peito apertado, pensando no futuro.

Enquanto isso, o Padre Cícero, que todas as tardes dava a benção aos seus fiéis e ouvia seus clamores e pedidos de conselhos, anunciou ao povo que a próxima procissão da cidade, em homenagem a Nossa Senhora das Candeias, seria incrementada com lamparinas, que iriam iluminar a celebração e os caminhos dos fiéis, tanto na terra quanto no céu.

Por fim, disse o Padre Cícero que os fiéis buscassem pela oficina do flandreiro que o havia procurado dias antes, pois ali encontrariam grande estoque de lamparinas de boa qualidade, e a preços módicos.

Assim, o homem vendeu todo o estoque, sua oficina se tornou conhecida e ele fidelizou boa clientela, vivendo honestamente e dignamente de seu ofício, não precisando mais de pedir esmolas ou auxílio a ninguém.

FOTO: Hélio Filho – extraída da Cariri Revista.

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Roberto Junior
Acadêmico de História na Universidade Regional do Cariri (URCA), foi secretário geral do Instituto Cultural do Cariri (ICC) e conselheiro de cultura do Crato. Fundou o Cariri das Antigas em 2014, e desenvolve pesquisas na área de História Política e Social. Atuou como bolsista da FUNCAP no projeto "Biopoder, Saúde e Saber médico: O Hospital Manuel de Abreu e as práticas de cura e controle da tuberculose na Região do Cariri nos anos de 1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Egberto Melo. É diretor administrativo do Clube do Automóvel do Cariri - Siqueira Campos, sendo o historiador responsável pela edição do periódico do clube, fruto de suas pesquisas acerca da história do automóvel no Brasil, com recorte entre as décadas de 1890 e 1990. Tem como pesquisa de trabalho de conclusão de curso, a História e Desenvolvimento da Aviação no Cariri, com enfoque principal na atuação do Correio Aéreo Militar.