Leia abaixo o clássico da literatura de cordel, obra renomada de José Pacheco:

Um cabra de Lampião

Por nome Pilão Deitado

Que morreu numa trincheira

Em certo tempo passado

Agora pelo sertão

Anda correndo visão

Fazendo mal-assombrado

 

E foi quem trouxe a notícia

Que viu Lampião chegar

O Inferno nesse dia

Faltou pouco pra virar

Incendiou-se o mercado

Morreu tanto cão queimado

Que faz pena até contar

 

Morreu a mãe de Canguinha

O pai de Forrobodó

Três netos de Parafuso

Um cão chamado Cotó

Escapuliu Boca Ensossa

E uma moleca moça

Quase queimava o “totó”

 

Morreram 100 negros velhos

Que não trabalhavam mais

Um cão chamado Trás-cá

Vira-volta e Capataz

Tromba Suja e Bigodeira

Um cão chamado Goteira

Cunhado de Satanás.

 

Vamos tratar da chegada

Quando Lampião bateu

Um moleque ainda moço

No portão apareceu

– Quem é você, cavalheiro?

– Moleque eu sou cangaceiro!

Lampião lhe respondeu.

 

– Moleque não, sou vigia!

E não sou seu “pariceiro”

E você aqui não entrar

Sem dizer quem é primeiro…

– Moleque, abra o portão

Saiba que eu sou Lampião

Assombro do mundo inteiro!

 

Então, esse tal vigia

Que trabalha no portão

Dá pisa que voa cinza

Não procura distinção

O negro escreveu não leu

A macaíba comeu

Lá não se o usa perdão.

 

O vigia disse assim:

Fique fora que eu entro

Vou conversar com o chefe

No gabinete do centro

Por certo ele não lhe quer

Mas conforme o que disser

Eu levo o senhor pra dentro.

 

Lampião disse: – Vá logo,

Quem conversa perde hora

Vá depressa e volte já

Eu quero pouca demora

Se não me derem ingresso

Eu viro tudo “asavesso”

Toco fogo e vou embora.

 

O vigia foi e disse

A Satanás, no salão:

– Saiba vossa senhoria

Que aí chegou Lampião,

Dizendo que quer entrar

E eu vim lhe perguntar

Se dou ingresso ou não?

 

– Não senhor, Satanás disse,

Vá dizer que vá embora

Só me chega gente ruim?

Eu ando muito caipora

Estou até com vontade

De botar mais da metade

Dos que têm aqui pra fora!

 

– Lampião é um bandido

Ladrão da honestidade

Só vem desmoralizar

A minha propriedade

Mesmo eu não vou procurar

Sarna para me coçar

Sem haver necessidade.

 

Disse o vigia: – Patrão

A coisa vai arruinar

Eu sei que ele se dana

Quando não puder entrar

Satanás disse: – Isso é nada,

Convide aí a negrada

E leve o que precisar.

 

– Leve três dúzias de negros

Entre homem e mulher

Vá na loja de ferragem

Tire as armas que quiser

É bom escrever também

Pra virem os negros que têm

Mais compadre Lúcifer.

 

E reuniu-se a negrada

Primeiro chegou Fuxico

Com um bacamarte velho

Gritando por Cão de Bico

Que trouxesse o pau da prensa

E fosse chamar Tangença

Na casa de Maçarico.

 

E depois chegou Cambota

Endireitando o boné

Formigueiro, Trupe-Zupe

E o crioulo Quelé

Chegou Banzeiro e Pacaia

Rabisca e Cordão de Saia

E foram chamar Bazé.

 

Veio uma diaba moça

Com uma calçola de meia

Puxou a vara da cerca

Dizendo: – A coisa está feia

Hoje o negócio se dana,

E disse: – Eita, baiana

Agora a ripa vadeia.

 

E lá vai a tropa armada

Em direção do terreiro

Pistola, faca e facão

Cravinote e granadeiro

E um negro também vinha

Com a trempe da cozinha

E o pau de bater tempero.

 

Quando Lampião deu fé

Da tropa negra encostada

Disse: – Só na Abissínia

Oh! Tropa preta danada

O chefe do batalhão

Gritou: – As armas não mão

Toca-lhe fogo, negrada!

 

Nessa hora ouviu-se tiros

Quesó pipoca no caco

Lampião pulava tanto

Que parecia um macaco

Tinha um negro nesse meio

Que durante o tiroteio

Brigou tomando tabaco.

 

Acabou-se o tiroteio

Por falta de munição

Mas o cacete batia

Negro embolava no chão

Pau e pedra que pegavam

Era o que as mãos achavam

Sacudiam em Lampião.

 

– Chega, traga um armamento!

Assim gritava o vigia,

Trás a pá de mexer doce

Lasca os ganchos de Caria

Trás os birros de Macau

Corre, vai buscar um pau

Na cerca da padaria!

 

Lúcifer mais Satanás

Vieram olhar do terraço

Tudo contra Lampião

De cacete, faca e braço

E o comandante no grito

Dizia: – Briga bonito,

Negrada, chega-lhe o aço!

 

Lampião pôde pegar

Na caveira de um boi

Sacudiu na testa dum

Ele só fez dizer: – Oi!

Ainda correu 10 braças

E caiu enchendo as calças

Mas eu não sei de que foi.

 

Estava a luta travada

Mais de uma hora fazia

A poeira cobria tudo

Negro embolava e gemia

Porém Lampião ferido

Ainda não tinha sido

Devido a sua energia.

 

Lampião pegou um checho

E o rebolou num cão

A pedrada arrebentou

A vidraça do oitão

Saiu um fogo azulado

Incendiou-se o mercado

E o armazém de algodão.

 

Satanás com esse incêndio

Tocou num búzio chamando

Correram todos os negros

(Os que estavam brigando)

Lampião pegou a olhar

Não viu mais com quem brigar

Também foi se retirando.

 

Houve grande prejuízo

No inferno, nesse dia

Queimou-se todo o dinheiro

Que Satanás possuía

Queimou-se o livro dos pontos

Perderam seiscentos contos

Somente em mercadoria.

 

Reclamava Satanás:

– Horror maior não precisa

Os anos ruins de safra

E agora mais essa pisa

Se não houver bom inverno

Tão cedo aqui no Inferno

Ninguém compra uma camisa.

 

Leitores vou terminar

Tratando de Lampião

Muito embora que não possa

Vos dar a resolução

No inferno não ficou

No céu também não chegou

Por certo está no sertão.

 

Quem duvidar dessa estória

Pensar que não foi assim

Querer zombar do meu sério

Não acreditando em mim

Vá comprar papel moderno

Escreva para o infernoM

Mandesaber de Caim.

 

 

 

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Roberto Junior
Acadêmico de História na Universidade Regional do Cariri (URCA), foi secretário geral do Instituto Cultural do Cariri (ICC) e conselheiro de cultura do Crato. Fundou o Cariri das Antigas em 2014, e desenvolve pesquisas na área de História Política e Social. Atuou como bolsista da FUNCAP no projeto "Biopoder, Saúde e Saber médico: O Hospital Manuel de Abreu e as práticas de cura e controle da tuberculose na Região do Cariri nos anos de 1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Egberto Melo. É diretor administrativo do Clube do Automóvel do Cariri - Siqueira Campos, sendo o historiador responsável pela edição do periódico do clube, fruto de suas pesquisas acerca da história do automóvel no Brasil, com recorte entre as décadas de 1890 e 1990. Tem como pesquisa de trabalho de conclusão de curso, a História e Desenvolvimento da Aviação no Cariri, com enfoque principal na atuação do Correio Aéreo Militar.