Em 1911, a igreja matriz de Santana do Cariri recebeu um relógio importado da Europa, uma máquina grandiosa e com dois carrilhões, um deles responsável por marcar os quartos de hora. O Padre Cícero então manda chamar a Pelúsio Correia de Macedo, homem de rara inteligência, responsável por uma banda de música, e pela montagem de máquinas complexas, a exemplo do Polyphon do sacerdote, que fora importado da Alemanha e remontado na pequena vila de Joaseiro por Mestre Pelúsio.
Sua habilidade com máquinas era tamanha, que chegou a ser noticiada em O Rebate. Diante desses adjetivos importantes ao músico e mecânico, o Padre Cícero informa a ele que em Joaseiro iria ser iniciada a fabricação de relógios de torre. Alegre com a notícia, Pelúsio teria perguntado ao padre quem seria responsável pelo empreendimento, recebendo como resposta que ele próprio, Pelúsio, iria conduzir a empreitada.
Em tom respeitoso, Pelúsio rebateu o padre, dizendo que nada entendia de relógios. O sacerdote então deu o exemplo de Santana, uma cidade com menos expressão que Joaseiro, e que já possuía um relógio de torre, que servia como regulador público do munícipio, e assim sendo, estava a frente de Joaseiro.
Explicou que iria adquirir um despertador e alguns manuais de relojoaria, estes provavelmente importados da Europa, e escritos em inglês ou francês, não é possível afirmar. A função de Mestre Pelúsio seria desmontar completamente, até o último parafuso, e remontar o relógio em seguida, até entender o funcionamento do mecanismo, e colocá-lo em perfeito funcionamento. Ainda reticente, Macedo questionou sobre a fundição das peças da máquina, tendo recebido como resposta do padre, a indicação de procurar os ourives da cidade, entendedores das muitas ligas metálicas existentes, e seus processos de usinagem e fundição.
O padre explicou também, que o objetivo principal não seria somente a fabricação de relógios, mas também a formação de novos mestres, uma política há muito por ele empregada, buscando o engajamento profissional como forma de afastar os jovens dos males daquele tempo, especialmente o banditismo.
Com poucos recursos, mas muito afinco e inteligência, Pelúsio logrou êxito, e em sua pequenina oficina na Rua São José montou sua primeira máquina, em 1915, que foi colocada em uma das torres da igreja matriz de Nossa Senhora das Dores (antes da reforma iniciada em 1928, a matriz possuía duas torres). Infelizmente o paradeiro da máquina é desconhecido, sendo o relógio atual fabricado em 1936.
Além da fabricação dos relógios, Mestre Pelúsio também estudou e executou a fundição de sinos, uma arte deveras delicada, e que demanda cálculos e um processo de fundição muito específico. Em 1860, os cidadãos do Crato compraram em Estrasburgo, na Ungerer & Freires, o primeiro relógio estacionário da região, e em 1884, os barbalhenses seguiram o mesmo caminho, adquirindo no mesmo fabricante o relógio de sua igreja matriz.
Visionário, o Padre Cícero decidiu não importar seus relógios, e sim buscar meios de fundar uma fábrica em Joaseiro, e principalmente, inserir na cidade a arte da fabricação, por meio da formação de novos mestres. A medida também possibilitou que outras cidades de menor poder aquisitivo pudessem adquirir seus relógios, que a época tinham uma função muito importante, tendo em vista o reduzido número de pessoas que tinham acesso aos relógios individuais. Assim sendo, o relógio de coluna se tornava um regulador público, e suas badaladas, em número equivalente as horas do dia, e também as meia hora, ritmassem o cotidiano do lugar.
Com as oficinas de Mestre Pelúsio, que cobrava cerca de 4.000$000 (Quatro contos de réis) pela fabricação do conjunto de relógio e sino, barateou-se bastante a aquisição das máquinas, uma vez que se evitava a conversão cambial, custos de viagem para executar o pedido, taxas de importação e transporte, e consequentemente de montagem.
Os arquivos de Mestre Pelúsio tomaram destino ignorado, o que põem sob sua biografia uma espessa nevoa, principalmente sobre o número de relógios que foram por ele fabricados. É sabido, entretanto, que o genial juazeirense exerceu seu ofício até a década de 1940, tendo repassado suas formas, fornos e tornos à ordem dos Salesianos, que montaram uma fábrica de relógios e sinos logo abaixo do colégio, e que foi desarticulada na década de 1960, sendo o seu maquinário transferido, provavelmente, para Recife, capital do Pernambuco.
Em Juazeiro do Norte, dos aprendizes de Mestre Pelúsio, o que mais se destacou foi Moisés Olegário, que foi responsável por construir o relógio do Santuário de São Francisco das Chagas. Geraldo Ramos Freire, mesmo não tendo trabalhado diretamente com Pelúsio, aprendeu o ofício nas oficinas salesianas, tendo fundado em seguida a Metalúrgica Freire, responsável por dezenas de relógios e sinos espalhados pelo país. Aos 82 anos, Mestre Geraldo é reconhecido como tesouro vivo do estado do Ceará, seu último trabalho foi a restauração do complexo relógio da Coluna da Hora da Praça Padre Cícero, concluída em novembro de 2020. Atualmente ele foca na formação dos filhos, Marcus Aurelius e Junú, objetivando a formação de novos mestres e a perpetuação da iniciativa do Padre Cícero.
ACESSIBILIDADE: ABAIXO, VÍDEO EXPLANANDO O CONTEÚDO ACIMA.