Em 1889, o Ceará ainda sentia os efeitos da Grande Seca de 1877-79, apesar de os quadros climatológicos não serem tão graves quanto nos eventos ocorridos uma década antes, uma enorme crise financeira assolava o estado, o que forçava a migração para outras regiões do país. Ademais, naquele ano, passado o dia de São José – marco temporal de devoção que indica um bom inverno – não havia ainda ocorrido chuvas expressivas no estado, um prenúncio de seca que alarmou a população.

No Cariri Cearense, região reconhecidamente privilegiada por recursos hídricos, o panorama também não era animador, e temendo uma nova seca, que castigaria ainda mais o povo sofrido do estado, o Padre Cícero Romão Batista, junto aos padres, Manoel Félix de Moura, Francisco Rodrigues Monteiro e Antônio Fernandes Távora fizeram promessas e procissões, pedindo chuvas em abundância. Ao Sagrado Coração de Jesus prometeram a construção de uma igreja, no topo do Serra do Catolé, a época já chamada de Horto, seguindo o exemplo da promessa feita pelo bispo do Ceará, Dom Luís, durante a seca de 1877.

As chuvas banharam o Cariri, e o Padre Cícero iniciou a construção da capela, em regime de mutirão, sendo extremamente relevante a participação da comunidade, que transportava pedras e água ao topo da serra, entretanto, por conta dos acontecimentos relacionados ao Milagre de Joaseiro, as obras foram paralisadas em 1896. Em 1898, o Padre Cícero viajou para Roma, em busca de reabilitação junto a Santa Sé, uma vez que o contexto na diocese do Ceará não lhe era favorável. Na Itália, o religioso teve contato com os padres da ordem salesiana, discípulos de Dom Bosco, e realizou conferência com o Papa Leão XIII. De volta a Joaseiro, trouxe na bagagem uma maquete em flandres e uma planta, que serviram durante o reinício das atividades na igreja, porém, outro impedimento em 1903 encerrou as obras definitivamente.

Interpelado sobre a conclusão das obras, o Padre Cícero teria dado um aviso, em tom de profecia, que afirmava que o templo seria finalizado durante o fim do mundo, e lá o Dia do Juízo Final teria palco, sendo o Vale do Cariri transformado em Vale de Josafá[1], indicado na bíblia como Vale da Decisão. Dito ou não pelo religioso, na oralidade popular o discurso cristalizou-se completamente, sendo ainda presente atualmente, reforçando a mística em torno da serra, que foi lar de beatos e local de retiro do Padre Cícero.

Após a morte do religioso, as construções em cima da serra, que incluíam partes já edificadas da igreja e o casarão de retiro do padre, passaram a não mais receber manutenção. São da década de 1940 os principais registros conhecidos das edificações, onde é possível verificar a completa ruína da igreja, que foi finalmente demolida na década de 1960, dando lugar a uma torre de televisão, que foi realocada posteriormente, em benefício da construção da estátua do Padre Cícero, danos irreparáveis ao testamento do religioso, que deixou expresso o seu desejo de ver conclusa a obra, que seria, sem dúvidas, uma das mais belas e imponentes igrejas do Brasil.

[1] Joel 3:1-20-21 NTLH

“O SENHOR Deus diz: — Naquele tempo, farei com que o povo de Jerusalém e de Judá prospere de novo. Então ajuntarei os povos de todos os países e os levarei para o vale de Josafá e ali os julgarei”.

ABAIXO O LEITOR PODERÁ CONFERIR UMA SÉRIE DE FOTOGRAFIAS DO TEMPLO E DO HORTO NAS DÉCADAS DE 1920, 1930 E 1940:

A igreja em 1925, em reportagem da Fon Fon, afamada revista do período.
A igreja já em ruínas, na década de 1940.
Pedro Coutinho, mestre flandreiro, ao lado da maquete, que hoje se encontra na Casa Museu

FOTOS: Acervo de Renato Casimiro e Daniel Walker.

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Acadêmico de História na Universidade Regional do Cariri (URCA), foi secretário geral do Instituto Cultural do Cariri (ICC) e conselheiro de cultura do Crato. Fundou o Cariri das Antigas em 2014, e desenvolve pesquisas na área de História Política e Social. Atuou como bolsista da FUNCAP no projeto "Biopoder, Saúde e Saber médico: O Hospital Manuel de Abreu e as práticas de cura e controle da tuberculose na Região do Cariri nos anos de 1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Egberto Melo. É diretor administrativo do Clube do Automóvel do Cariri - Siqueira Campos, sendo o historiador responsável pela edição do periódico do clube, fruto de suas pesquisas acerca da história do automóvel no Brasil, com recorte entre as décadas de 1890 e 1990. Tem como pesquisa de trabalho de conclusão de curso, a História e Desenvolvimento da Aviação no Cariri, com enfoque principal na atuação do Correio Aéreo Militar.