“Ah, seu moço! Naquela casa da Nascença, só havia rastro de entrada.” – Eufrázia, ex-escrava da família Santos.

Os primórdios de Brejo Santo remontam ao Brejo da Barbosa, uma das primeiras denominações do lugar, que fazia referência a uma viúva baiana, mãe de dois homens, que nunca viveu no local, mas certamente teria procuradores aqui. Brejo Santo foi e é uma cidade conhecida nas rotas dos que cruzam a região, a passagem por dentro de seus domínios é em alguns casos obrigatória, como que obedecendo a tradição histórica.

Na primeira metade do Séc.XIX, enquanto o Brasil vivia o nascimento de um império e as convulsões políticas do período, a exemplo da Guerra de Independência, Revolução Pernambucana e Confederação do Equador, no antigo Brejo da Barbosa, a família de Gonçalo de Oliveira Rocha tendia a crescer cada dia mais. Casado desde 1806, com Joana Pereira Filgueira, sobrinha do lendário capitão-mor do Crato, José Pereira Filgueira, Gonçalo foi pai de nove filhos: Pedro, Francisco, Davi, João, Manuel, Cosmo, Antônio, Joaquim e Ana Inácio de Oliveira Santos.

A força do sobrenome da família transformou o nome do lugar em Brejo dos Santos, nomenclatura que sofreu mutações até se tornar o contemporâneo Brejo Santo. Residiam os Santos, do Brejo, no Sitio Nascença, um ponto de parada obrigatório aos comboieiros e viajantes que desbravam essas estradas, a pé, ou em lombo de burro. O costume de dar abrigo a viajantes, em barracões, alpendres, quartos seccionados com abertura somente ao exterior, e até dentro de casa, era algo antigo e intrínseco de nossa sociedade no período. Não era constrangimento pedir abrigo, constrangimento era negá-lo.

A família Santos não fugia a regra, possivelmente ia além, fazendo de sua moradia uma hospedaria, porém, má sorte tremenda tinha os que pediam dormida na casa da família Santos, pois, o gênio de boa parte dos filhos de Gonçalo e Joana não era dos melhores, eles eram homens audaciosos, valentes e criminosos. Não demorou muito tempo para que a fama deles crescesse, e para que os terrenos do sítio Nascença, e a própria casa grande, se tornassem uma analogia macabra de um cemitério.

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Salvavam-se Manoel e Pedro, o restante dos filhos tinham pendores ao uso do bacamarte com fins nada nobres, sendo João e Cosmo os mais cruéis e contumazes na prática de crimes. Aberlado Montenegro cita em sua obra “História do cangaceirismo no Ceará”, que uma vez assassinados os hóspedes, os irmãos dividiam entre si os bens de valor, e sepultavam os corpos dentro de casa, ou nas proximidades. Os irmãos não se restringiam aos limites de suas terras, e faziam emboscadas e assaltos de toda sorte, ao passo que Otacílio Anselmo e Padre Antônio Gomes de Araújo, não pouparam palavras ruins aos membros da família, em artigo escrito pelo primeiro, para a Itaytera n°2 – 1956, leia a seguir:

“A denominação atual do Município—Brejo Santo- é inadequada, sem originalidade e atentatória à tradição secular da terra. Brejo Santo é uma designação inexpressiva, incorreta e sem fundamento, pois ali jamais houve santo, nem mesmo milagres”

E completa o Padre Gomes:

“Opino, pessoalmente, que a denominação «dos Santos» e «Santo» não se justificam. A primeira funda-se: a) no número — circunstância psicologicamente impressionante — dos irmãos Santos; b) na truculência dos mesmos, inédita na crônica do crime de Brejo, e só igualada à de seu descendente Chico Chicote. A atuação dos irmãos Oliveira Santos, tomados no conjunto, foi negativa no processo da evolução de Brejo Santo». Um belo conceito, não há dúvida. Entretanto. o autor está pelo restabelecimento do antigo nome BREJO DOS SANTOS, nome consagrado por cerca de cinco gerações e varrido da linguagem soberana do povo por um decreto—lei estadual, num regime de camisa— de—força, que foi o chamado Estado Novo. Julga o autor que, sendo o to- pônimo uma síntese da origem histórica, nada mais justo do que a preservação da originalidade da velha denominação «Brejo dos Santos». De resto, a tradição criou e ainda conserva nomes como «Emboscadas», «Ingá do Bacamarte», «Riacho do Sangue», «Guerrilhas» e outros”.

Em 1850, a Nascença foi vendida pela família Santos, e passou pela mão de alguns nomes importantes do município, em especial o Coronel Basílio Gomes da Silva, que foi chefe político local durante muitos anos, e que ali também viveu momentos de terror, a exemplo de quando teve o casarão assaltado por Sinhô Pereira e Luiz Padre, no recuado ano de 1919, e também durante a expansão do imóvel, que sendo uma casa antiquíssima – uma das primeiras edificações de relevância no local – não atendia mais as demandas do proprietário, e durante as obras revelou ao seu dono esqueletos que denunciavam o passado sombrio e sangrento ali vivido, passado este que está intrinsicamente ligado ao nascimento da cidade de Brejo Santo. O casarão ruiu, mas seus depoentes vagam ainda pelas teias da memória e pelas suas terras, e ele certamente terá espaço novamente nos devaneios e escritos do autor.

 

P.S. Agradeço a Bruno Yacub – quem primeiro me trouxe esta escabrosa história – em nome de todos que possuem fascínio pela história do Cariri. Seus esforços no resgate dos fragmentos que contam a história de sua terra, são hercúleos e admiráveis.

Acadêmico de História na Universidade Regional do Cariri (URCA), foi secretário geral do Instituto Cultural do Cariri (ICC) e conselheiro de cultura do Crato. Fundou o Cariri das Antigas em 2014, e desenvolve pesquisas na área de História Política e Social. Atuou como bolsista da FUNCAP no projeto "Biopoder, Saúde e Saber médico: O Hospital Manuel de Abreu e as práticas de cura e controle da tuberculose na Região do Cariri nos anos de 1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Egberto Melo. É diretor administrativo do Clube do Automóvel do Cariri - Siqueira Campos, sendo o historiador responsável pela edição do periódico do clube, fruto de suas pesquisas acerca da história do automóvel no Brasil, com recorte entre as décadas de 1890 e 1990. Tem como pesquisa de trabalho de conclusão de curso, a História e Desenvolvimento da Aviação no Cariri, com enfoque principal na atuação do Correio Aéreo Militar.