As secas são um dos fenômenos naturais que mais maltratam os nordestinos. Na cidade de Exu, durante um desses períodos tão severos, em data que não foi possível precisar, adentrou o terreiro de uma fazenda nas imediações do Genipapo, uma mulher em estado de grande miséria, e que trazia em seus braços um bebê, ainda em seus primeiros meses de vida.
Se valendo de suas últimas forças, subiu a escadaria do casarão e bateu na porta principal. Foi atendida justamente pelo proprietário, garboso coronel, dono de muitas terras e outras posses. Ela o pediu, que em nome do que o fosse mais sagrado, lhe desse socorro, pois há três dias não encontrava alimento que matasse sua fome. Irritado, o homem catou algumas moedas do bolso e a entregou. Desesperada, ela retrucou que sua fome não era de cobre, mas de alimento.
Impassível, ele a despachou sob ameaças, e bateu a porta. A pobre coitada seguiu sua caminhada, em busca de um baixio que era possível avistar de longe. Talvez em busca de água, e de alguma fruteira que a alimentasse, escolheu aquele destino. A cada passo suas forças diminuíam, e chegando na localidade da Ponta D’água, seu corpo entrou em colapso, e o sopro vital deixou sua matéria.
Horas depois, chega de passagem pelo casarão da dita fazenda, um transeunte, que trazia notícias ao coronel. Disse-lhe ele que havia encontrado um corpo, de uma mulher, com aparência bastante sofrida, e que junto a ela, havia uma criança, tentando amamentar-se na pobre mãe, que a havia deixado órfã.
Somente tão cruel acontecimento foi capaz de despertar alguma empatia no homem, que rapidamente despachou um funcionário seu até o Exu, onde deveria adquirir a mortalha e a rede, e posteriormente providenciar o sepultamento dos despojos da falecida. Cumpridos os trâmites, o coronel desfrutou de seu jantar, e dormiu o sono que sua consciência lhe permitiu.
Na manhã seguinte, ainda nos primeiros raios de sol, o homem foi abrir a casa e iniciar o dia. Grande susto ele tomou, ao ver defronte a sua porta, perfeitamente dobradas e arrumadas, a rede e a mortalha que haviam sido usadas no sepultamento da mulher que ele negou ajuda. Ao aprumar a vista, deu fé ainda de que em cima delas, estavam as moedas que ele tinha dado como esmola.
Se em vida a ajuda do homem foi negada, após a morte, pouca diferença fariam seus esforços. Completamente adoecido dos nervos, o homem caiu doente, e sobre ele não foi possível precisar o que aconteceu, assim como também não encontrei nenhum indício sobre o destino da criança.
Sobre a mulher, sua morte causou grande comoção popular, e seu túmulo passou a ser ponto de peregrinação e pagamento de promessas. Populares do entorno e até de distritos distantes, dão notícias de graças alcançadas, e depositam os ex-votos. Infelizmente não conseguimos acessar o túmulo, que fica após a Fazenda Uruguay, uma vez que os caminhos estão parcialmente bloqueados, impedindo a chegada de veículos.
Abaixo, deixo o depoimento de Antônio Firmino, que durante muitos anos morou nas imediações, e teve acesso aos registros da oralidade regional, sendo sua esposa uma das pessoas que atribuem graças alcançadas: