Por muito tempo o escambo foi o principal meio de negociação nas paragens distantes dos grandes centros brasileiros, os patacões de Portugal, as notas e moedas de réis e afins eram em certa medida uma realidade distante para alguns. Apesar da fundação do Banco Brasil, com a vinda de Dom João VI para a Terra de Santa Cruz em 1808, e o surgimento de outras instituições, guardar dinheiro e outros objetos de valor em casa ainda era um forte costume dos que aqui se instalaram e de seus descendentes. O medo de saques e roubos muitas vezes obrigava esses sujeitos a esconderem tais itens em toda sorte de locais, como imagens de santos, tijolos ocos, e também as populares botijas, um recipiente cerâmico que muito lembra um pequeno pote de barro e que era muito apreciada, pois poderia ser enterrada em mourões de cerca, árvores e outros pontos de referência, e conservar o conteúdo do interior.

Os casos de botijas são muitas vezes ligados aos barões e fidalgos destes sertões, principalmente por serem eles que diante de tão intragável cenário ainda conseguiam acumular pratarias e dinheiro, e que não raras vezes faleciam sem dar o devido encaminhamento aos seus assuntos, sendo lançados em enorme agonia espiritual. Mas não somente a eles são atribuídas tais histórias, até porque cada individuo faz suas relíquias, e não somente prata, ouro e dinheiro tem importância para muitos. Reza a tradição que o morto aparece em sonho a pessoas de sua confiança, ou que ele julgue merecedoras, e dá as devidas instruções de como chegar ao local onde está escondido a botija, e o sujeito a quem foi confiada a informação, não pode dela compartilhar, e até a retirada tem de sozinho fazer, sendo este o momento mais crucial, pois os inúmeros casos que a oralidade eternizou, registram que neste momento toda sorte de encantamentos envolvem a botija, e o destemido que se arrisca terá de enfrentar visagens, assombrações, e muitas vezes as tentações do próprio diabo, que não querendo dar descanso ao infeliz que vaga depois de morto, faz de tudo para impedir o escolhido de completar sua missão, como é o caso de um tal Manuel da Afonseca Dória, que na fazenda Passagem de Pedra, em Itabaiana, enterrou sua prataria em enorme botija, quando de sua fuga da propriedade após ataque de negros e caboclos do arraial que queriam fazê-lo pagar por seus desmandos.

Conta Sebrão, em seu artigo “A Botija do Sitio DaFonseca”, que após a morte de Manuel da Afonseca, o mesmo apareceu para muitos confidentes, mas nenhum logrou êxito em achar a botija, pois a mesma encantava-se por obra do próprio satanás, e somente um certo Antônio Luis Fialho, após comprar a propriedade em 15 de Agosto de 1779, conseguiu dar fim ao encantamento.

Em Umari, nos confins do Cariri, já divisa com a Paraíba, um caso interessante está ligado a um imponente imóvel no sitio Malhada das Pombas, onde uma das empregadas do casarão recebeu em sonho as instruções da antiga patroa, e desenterrou um pequeno recipiente onde estavam algumas moedas e notas de réis; a mulher entregou o tesouro que a ela fora confiado a um parente de finada, para que apurasse valor, e por motivos desconhecidos, o dinheiro mudou de cor e perdeu seu valor.  É parte das lendas, o argumento de que o confidente não pode ter más ambições com o tesouro, pois do contrário o mesmo irá se encantar.

Poderia eu escolher somente um caso de botijas, mas a fartura de relatos me fez optar por uma abordagem mais ampla. Independente da crença ou não, as botijas trazem uma das mais fantásticas facetas que nossa oralidade e religiosidade popular, e uma quase certeza de que nessas quebradas e paragens do nosso sertão, teremos sempre um casarão com ecos, portas a bater e pedidos de ajuda para um bom encaminhamento dos finados.

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Roberto Junior
Acadêmico de História na Universidade Regional do Cariri (URCA), foi secretário geral do Instituto Cultural do Cariri (ICC) e conselheiro de cultura do Crato. Fundou o Cariri das Antigas em 2014, e desenvolve pesquisas na área de História Política e Social. Atuou como bolsista da FUNCAP no projeto "Biopoder, Saúde e Saber médico: O Hospital Manuel de Abreu e as práticas de cura e controle da tuberculose na Região do Cariri nos anos de 1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Egberto Melo. É diretor administrativo do Clube do Automóvel do Cariri - Siqueira Campos, sendo o historiador responsável pela edição do periódico do clube, fruto de suas pesquisas acerca da história do automóvel no Brasil, com recorte entre as décadas de 1890 e 1990. Tem como pesquisa de trabalho de conclusão de curso, a História e Desenvolvimento da Aviação no Cariri, com enfoque principal na atuação do Correio Aéreo Militar.