O prédio em 1935. Acervo de Paulo de Tarso Gondim Machado.

A história do Marquise Branca tem início em 02 de abril de 1927, quando Raymundo de Monte Arrais, Cecília de Alencar e Silva, Pedro Silvino de Alencar, José de Alencar, Godofredo Alexandrino de Alencar, Dirceu Ignácio de Figueiredo e Joanna Tertulina de Jesus (Beata Mocinha) fizeram lavrar no cartório do município uma escritura de sociedade mercantil, denominada Matadouro Modelo Limitada, que tinha por objetivo a construção de um matadouro em Joaseiro, se valendo da concessão feita pelo prefeito municipal, o Padre Cícero, ao sócio, Raymundo de Monte Arraes.

Dois dias depois, a empresa adquire ao Padre Cícero Romão Batista, parte do Sítio Lagoa de Pedra, em localização estratégica, as margens da linha férrea e de uma das vias de acesso ao Crato. Cabe salientar que a construção de um matadouro modelo era considerada um marco de avanço na cidade que o conseguia, demonstrava a força da pecuária e das outras atividades que dependiam daquele equipamento, mas principalmente, o alinhamento as normas sanitárias que passaram a vigorar com ainda mais força durante a República Velha.

O Dep. Monte Arrais havia chegado a Joaseiro em janeiro de 1927, e trazia consigo parte da família, tendo permanecido na cidade durante cerca de quatro meses, daqui saindo com uma participação de cinquenta contos de réis na sociedade. Inaugurado em 23 de março de 1928, sob festividades e comemorações, o matadouro logo passou a causar desagrado entre os criadores e marchantes da cidade, tendo em vista os valores cobrados pelo abate do gado.

Revoltados, os marchantes iniciaram uma greve pacífica em Joaseiro, negando-se a frequentar o pomposo e moderno prédio do matadouro, avaliado em cento e vinte e cinco contos de réis, uma fortuna considerável. A movimentação dos marchantes chamou a atenção da imprensa da capital, principalmente do periódico, O Ceará, que tinha como principal informante o Sr. Alpheu Ribeiro Aboim, que foi enviado a Fortaleza em busca de efetuar tratativas sobre a redução dos custos de abate, junto do Dep. Monte Arrais, sócio majoritário do empreendimento, e ao secretário de interior, Dr. Juvêncio Joaquim de Santana.

O prédio na década de 1960 – Acervo de Renato Casimiro e Daniel Walker
O prédio na década de 1990 – Acervo de Renato Casimiro e Daniel Walker

Impassível, o deputado não concordou em baixar as taxas de abate, e afirmou que iria forçar a prefeitura a honrar o contrato estabelecido com sua empresa, que conforme exposição da imprensa, era desfavorável ao município. Uma das atitudes polêmicas da administração do matadouro foi tomar nota dos animais abatidos em outros estabelecimentos. Resumindo, de uma forma ou de outra, os cem réis por quilo do “gado em pé” continuariam a ser cobrados, independente do uso ou não do matadouro.

Os ânimos começaram a se elevar, e os marchantes passaram a investir contra a operação do equipamento. O Cel. Pedro Silvino de Alencar decidiu acionar o Pres. do Estado do Ceará, o Des. Moreira da Rocha, que enviou a cidade uma volante composta por 90 homens. Ameaçado pelos marchantes, Pedro Silvino bateu em retirada para o Piauí. Para garantir o abate dos animais, os marchantes armaram cem homens, que deram retaguarda as operações consideradas clandestinas.

Sob o risco de ver a cidade envolta em uma guerra, o Pe. Cicero decidiu oferecer uma terceira via. A prefeitura iria adquirir o imóvel, e passaria a cobrar dos marchantes a taxa de 60 réis por quilo, uma economia de 40% em relação a taxa vigente. A princípio a proposta prosperou, deixando mais leve o clima daquele tenso mês de abril.

Durante o mês de maio de 1928, com o andamento das negociações para aquisição do matadouro por trezentos contos de réis, pago em seis parcelas anuais de cinquenta contos, os marchantes retrocederam, não mais aceitando a proposta da prefeitura. Com a população favorável, e tendo mais de oitocentos homens em suas fileiras, os marchantes bombardearam o matadouro modelo, utilizando bombas de fabricação artesanal, mas de grande potência, que foram capazes de destruir parte do maquinário e da estrutura física do imóvel, que também foi incendiada, paralisando totalmente suas operações.

Joaseiro ficou sob intervenção do governo estadual até junho de 1928, quando, mesmo diante da recusa da câmara municipal, o Padre Cícero adquiriu o matadouro modelo, pelo mesmo valor da proposta inicial, ignorando os gastos de reforma do prédio, mas conseguindo um prazo maior para pagamento, agora de oito anos. Independente da modalidade de pagamento, a operação foi rentosa para a sociedade limitada proprietária do matadouro, que conseguiu um superavit de 175:000$000 (cento e setenta e cinco contos de réis).

Até os dias atuais o imóvel de arquitetura arrojada pertence ao município, tendo sido utilizado como garagem municipal após a transferência dos abates para o matadouro do São José. No início da década de 1990, a classe artística e intelectual da cidade seu reuniu em torno de um projeto que evitasse a demolição do prédio, propondo a Carlos Cruz, então prefeito municipal, a adaptação para um teatro, ideia que teve plena aceitação do gestor. Entretanto, os trâmites burocráticos fizeram com que a inauguração só ocorresse em 2003. O nome Marquise Branca faz alusão à Albertina Brasileiro, pernambucana radicada em Joaseiro, e que foi um dos maiores nomes do teatro nacional de década de 1930 e 1940. Albertina atualmente é biografada por mim, que pretendo lançar a obra no segundo semestre do corrente, entretanto, o leitor poderá ler o artigo biográfico já existente, clicando aqui. A indicação de seu nome é fruto das memórias de Renato Dantas, dedicado pesquisador da história de Juazeiro do Norte, e artista reconhecido na região.

O imóvel em 2021 – Acervo do autor.
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Acadêmico de História na Universidade Regional do Cariri (URCA), foi secretário geral do Instituto Cultural do Cariri (ICC) e conselheiro de cultura do Crato. Fundou o Cariri das Antigas em 2014, e desenvolve pesquisas na área de História Política e Social. Atuou como bolsista da FUNCAP no projeto "Biopoder, Saúde e Saber médico: O Hospital Manuel de Abreu e as práticas de cura e controle da tuberculose na Região do Cariri nos anos de 1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Egberto Melo. É diretor administrativo do Clube do Automóvel do Cariri - Siqueira Campos, sendo o historiador responsável pela edição do periódico do clube, fruto de suas pesquisas acerca da história do automóvel no Brasil, com recorte entre as décadas de 1890 e 1990. Tem como pesquisa de trabalho de conclusão de curso, a História e Desenvolvimento da Aviação no Cariri, com enfoque principal na atuação do Correio Aéreo Militar.