Na virada do século XIX, para o século XX, muitos cruzeiros foram construídos no Cariri, simbolizando a forte religiosidade da região, e os pedidos para que os novos tempos fossem favoráveis. O Major Antônio Pinheiro Bezerra de Menezes tomou um rumo diferente, talvez inconscientemente tenha criado uma capsula do tempo.

Em 1901, ordenou a construção de um casarão monumental no Sítio Paul, que serviria de casa grande do seu engenho de cana. Até a conclusão das obras, 31 anos se passaram, e o resultado não poderia ser outro, senão uma das mais encantadoras construções do Cariri. A começar pelos seus alicerces, em pedra e cal, que de tamanha dimensão, demandaram uma escadaria de sete generosos degraus, que findam em uma calçada igualmente generosa, o suficiente para o visitante avistar boa parte do vale, principalmente a serra do Horto e a serra de São Pedro.

O antigo engenho.

Durante décadas as vastas terras do major foram ocupadas pelo plantio de cana, responsável por saciar o voraz engenho, onde rapaduras e derivados eram fabricados. Testemunha dos ritos da bagaceira da vida nos engenhos, o casarão também vivenciou em 1925, a obras de instalação da Estrada de Ferro de Baturité, que tinha no Crato o ponto final da linha tronco sul. Presenciou também a primeira “Maria Fumaça” que ali circulou, levando de Juazeiro do Norte, em seu comboio especial, as maiores personalidades e autoridades do Ceará.

E mais importante que isso, sentiu em cada parte de sua estrutura, os tremores das Baldwin tracionando os vagões lotados pelos que vinham de longe em busca da afamada Feira do Crato, no Expresso do Cariri. Saudoso, e sem uma trinca sequer, proveniente da força do tempo e dos tremores das locomotivas que passaram vizinho a ele, tamanha sua solidez estrutural, hoje assiste somente ao discreto VLT.

Após a morte do Major Antônio, assumiu os destinos do casarão e do engenho, D. Mariquinha Pinheiro, que lá viveu até seus últimos dias. A partir do final da década de 1950, o suntuoso imóvel passou a ser ocupado pelos cambiteiros e outros funcionários do engenho, função que cumpriu até a década de 1970, quando o surgimento da Usina Manoel Costa Filho sepultou a cantoria do eito, e fez se perder na brisa sertaneja o cheiro do mel de engenho.

Lateral esquerda do casarão.
Platibanda e conjunto de portas e janelas em destaque.
Detalhe das janelas do sótão, no lado direito do imóvel, vizinho ao engenho.

Comumente confundindo com o Casarão dos Esmeraldo, no Sítio Bebida Nova, na outra extrema do Crato, o Casarão do Major Antônio Pinheiro, é na minha humilde opinião, ainda mais imponente e belo, o que não é demérito ao Casarão dos Esmeraldo, ambas são edificações de expoente relevância histórica e arquitetônica. Minha preferência pelo casarão aqui retratado, se dá pelo seu conjunto de platibanda e frontão, de cuidadosos detalhes, deveras esmerados, e que se ampliam até sua lateral, privilegiando o encontro do telhado com a bica, com adornos especiais.

Abaixo da platibanda, cornijas e arquitraves antecedem o conjunto de cinco janelas e duas portas. Um traço interessante no imóvel, é que os arcos da lateral da casa são em gota, enquanto a fachada principal não foi contemplada com arcos. O casarão, o engenho em fogo morto, e a baixada após o imóvel, formam um cenário digno dos romances de José Lins do Rêgo, que se complementam com as histórias de Tico Baixinho, que há 50 anos habita o Sítio Paul, e residiu no casarão por alguns anos.

Tico Baixinho, o guardião do casarão.

Como toda boa casa grande e centenária, permeiam as grossas paredes do imóvel histórias de assombração, como a da noite em que todos os trabalhadores foram acordados com o som da cristaleira se espedaçando, e ao chegarem na cozinha se deparam com ela intacta. Ou o caso do jovem que sonolento buscou a cozinha, desejando matar sua sede, e se deparou com uma idosa fumando cachimbo no topo da escada do sótão.

Concluo, feliz e satisfeito, dizendo ao leitor que o bom estado de conservação do imóvel, se deve primordialmente aos esforços dos descentes do Major Antônio Pinheiro, que desejam, em breve, dar nova função ao casarão, instalando ali um memorial. Agradeço especialmente ao Prof. Jorge Emicles, pela solicitude de sempre, e pelo empenho em preservar o imóvel.

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VISTAS INTERNAS DO IMÓVEL

 

 

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Roberto Junior
Acadêmico de História na Universidade Regional do Cariri (URCA), foi secretário geral do Instituto Cultural do Cariri (ICC) e conselheiro de cultura do Crato. Fundou o Cariri das Antigas em 2014, e desenvolve pesquisas na área de História Política e Social. Atuou como bolsista da FUNCAP no projeto "Biopoder, Saúde e Saber médico: O Hospital Manuel de Abreu e as práticas de cura e controle da tuberculose na Região do Cariri nos anos de 1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Egberto Melo. É diretor administrativo do Clube do Automóvel do Cariri - Siqueira Campos, sendo o historiador responsável pela edição do periódico do clube, fruto de suas pesquisas acerca da história do automóvel no Brasil, com recorte entre as décadas de 1890 e 1990. Tem como pesquisa de trabalho de conclusão de curso, a História e Desenvolvimento da Aviação no Cariri, com enfoque principal na atuação do Correio Aéreo Militar.