DICA LITERÁRIA: Caminhões FNM – A força brasileira nas estradas ( https://amzn.to/3nWd9dd ).

Criada em 13 de Junho de 1942, a Fábrica Nacional de Motores não nasceu com vocação para produção de caminhões e automóveis, como ficou conhecida, e sim com o objetivo de afirmar o Brasil no mercado de aviação, e corrobora com isso a portaria n°514, assinada em 26 de Outubro de 1938, pelo então Ministro da Viação e Obras Públicas, Gen. Mendonça Lima, que designou o engenheiro civil, Adroaldo Junqueira Alves, e os engenheiros aeronáuticos, Jussaro Fausto de Souza e Antônio Guedes Muniz, para iniciar os estudos e negociações para o estabelecimento de uma fábrica de motores aeronáuticos.

O projeto era ambicioso, incluía, além da planta fabril, uma vila operária, que iria dispor de toda a infraestrutura necessária para a vida dos trabalhadores daquela cidade dos motores (escola, assistência médica, comércio, igreja, clubes), assim como também um cinturão agropecuário, que forneceria os viveres para os residentes.

A imponente fábrica da F.N.M. em Duque de Caxias (RJ).

Vale salientar que o projeto não foi feito por amadores. A empresa escolhida como parceira técnica da F.N.M foi justamente a Wright Aircraft Engines, importante empresa do ramo de aviação civil, e devo lembrar que o Brigadeiro Antônio Guedes Muniz, foi o responsável pelo desenvolvimento do Muniz M-7, o primeiro avião fabricado em série no Brasil, que fez seu primeiro voo em 17 de Outubro de 1935, e foi fabricado no Rio de Janeiro, na Fábrica Brasileira de Aviões, iniciativa de Henrique Lage, entre 1937 e 1941, tendo sido amplamente utilizado no treinamento de pilotos.

Feita a desapropriação do terreno em Duque de Caxias (RJ), em 1941, e assinados os acordos de aquisição de maquinário e direitos de fabricação do Wright Whirlwind, motor radial de 9 cilindros e 450hp, teve inicio a saga da F.N.M. O ingresso do Brasil no programa de Lend & Lease, iniciativa do governo americano, possibilitou ao país as verbas necessárias para a construção do enorme parque fabril, e também viabilizou a construção da siderúrgica de Volta Redonda, sendo a moeda de troca para o ingresso brasileiro na Segunda Guerra Mundial, junto aos Aliados.

O problema é que a produção, que teria foco no abastecimento dos estoques de peças e motores dos aviões militares, só iniciou em 1946, ano em que um Vultee BT-15 da F.A.B voou com um motor nacional, e dito isto, era de se esperar que a demanda fosse praticamente inexistente, uma vez que os “restos” de guerra foram vendidos a preços simbólicos, e os motores radiais estavam agora obsoletos. O contexto de inicio da Era a jato na aviação militar, e em poucos anos na aviação comercial, vide o lançamento do De Havilland Comet, primeiro “avião de linnha” a jato.

O governo Dutra, de tendência liberal assumida, decidiu então transformar a estatal em sociedade anônima e coloca-la a venda em 01 de Julho de 1946, operação que foi um fiasco, já que o governo federal não encontrou compradores e voltou do pregão com cerca de 99% da ações. Naquela altura, o Brigadeiro Guedes Muniz já havia sido destituído do cargo de diretor da F.N.M, e em seu lugar colocaram, Túlio Araripe, sobrenome bastante conhecido no Cariri Cearense.

Para sobreviver, a empresa passou algum tempo oferecendo serviços de manutenção nos motores Pratt & Whitney dos famosos DC-3, assim como também fabricando geladeiras, bicicletas e implementos industriais, até que em 14 de Janeiro de 1949, Eurico Gaspar Dutra firma acordo com o Coronel Carlo Matteini, representante da Isotta Fraschini (lê-se “fras-quí-ni”), para a fabricação no Brasil do seu caminhão pesado, na Itália chamado de D.80, e aqui rebatizado de F.N.M D-7300, que tinha capacidade para transportar 7 toneladas, tracionadas por um motor diesel de seis cilindros, com injeção direta, 7,3 L e 100cv de potência, equipado com freios pneumáticos, e que havia sido desenvolvido para as campanhas italianas na África, na Guerra da Abissínia, e obviamente estava mais do que apto a encarar o clima tropical brasileiro.

O raríssimo F.N.M D-7300, primeiro modelo da marca, em parceria com a Isotta

Entretanto, a Isotta saiu bastante enfraquecida da guerra, e já havia aberto concordata em 1948, antes da assinatura do contrato, o que obviamente foi um tiro no pé do governo brasileiro, pois, apenas alguns meses após o inicio da produção do primeiro caminhão nacional, e 200 unidades montadas com 30% de nacionalização, a fabricante italiana faliu e a produção foi paralisada.

O governo italiano foi solidário com a situação, e indicou a estatal, Alfa Romeo, como nova parceira técnica e comercial da Fábrica Nacional de Motores, em julho de 1950, uma parceria que deu bastante certo, iniciada com o lançamento do D.9500, em sistema SKD, em 1952. O caminhão era moderno para a época, principalmente no Brasil, que tinha sua frota composta principalmente por comerciais leves do mercado americano, em sua maioria a gasolina, e recebia naquele momento um potente motor diesel, com bloco, cabeçote e carter em alumínio, camisas removíveis e 130cv, capaz de tracionar 22 toneladas e cargas no chassi de até 8,1t.

D-9500 em propaganda exaltando sua participação nas obras da CHESF.

Getúlio Vargas, astucioso como sempre, voltava ao governo por vias democráticas, e como uma das medidas de combate a crise cambial, determina a instauração da CDI(Comissão de Desenvolvimento Industrial), em 23 de Julho de 1951. Dentro desta comissão foram criadas seções e promulgados dois avisos que beneficiaram bastante a F.N.M, eram os avisos 288(08/1952) e o 311(03/1953) que restringiam a importação de peças já fabricadas no país, e proibiam a importação de veículos totalmente montados.  Consciente do barulho que isso iria fazer, Getúlio envia João Carloz Manix para entrevista com John Foster, Secretário de Estado Americano, com um cheque de cinco milhões de dólares (uma bagatela ainda hoje, imaginem na época) quitando as dividas do Lend & Lease, por um terço do valor de custo da fábrica, com 10 longos anos de prazo e praticamente nenhum juro. Aproveitando a brecha, a planta começou a fabricar também, peças de reposição para as concorrentes. As coisas estavam indo bem, até 24 de Agosto de 1954, quando o presidente “saí da vida para entrar na história” e deixa a nação em convulsão.

A fábrica não pôde deixar de ser afetada, e teve seus projetos paralisados, como o do PINAR, primeiro automóvel integralmente nacional, e a montagem de tratores Fiat 25/R. Entretanto, até a eleição de JK, nem tudo foi perdido, pois houve a ingênua tentativa, junto à Massari, de desenvolvimento do Papa-Filas, uma “solução” para o transporte de passageiros nas grandes cidades, e que era basicamente um reboque com formato de ônibus, capaz de levar até 200 passageiros, mas que possuía problemas de comunicação com o motorista, que por sua vez sofria ao conduzir o caminhão no transito pesado, sem direção hidráulica e cambiando 8 marchas a frente, em duas alavancas (os caminhões tinham esse problema, para trocar as marchas, o motorista tinha em alguns casos de tirar as mão do volante), e como nos mostram os registros históricos, a iniciativa não deu certo.

Com as medidas do governo, em 1954 a empresa deu lucro, e os balanços de 1955 mostram que mesmo o país em agitação, as vendas havia saltado de 531 unidades em 1954, para 2.426. Foi também o ano da montagem da primeira carroceria totalmente soldada (antes uma partes delas era montada com rebites), a mesma era mais longa e confortável, vindo inclusive com dois beliches. Uma curiosidade é que a F.N.M sempre deu a liberdade, até porque não conseguia atender toda a demanda, de os cliente comprarem suas cabines em outras encarroçadoras, como a Caio, Brasinca, Metro, e etc.

Em 1957 houve o lançamento do D.11000, um enorme êxito comercial, mais potente e com maior capacidade de carga ( elevadas para 9,1t e 150cv), era também época de conseguir incentivos junto ao GEIA, programa de expansão da indústria promovido por J.K. A fábrica cresceu de 44.642m², para 172.000m², e era agora capaz de produzir 7.200 veículos ao ano, recebendo também a linha de usinagem de motores.

Em franca expansão, a F.N.M lançou em 21 de Abril de 1960, dia da inauguração de Brasília, o F.N.M J.K, seu primeiro automóvel, por sinal o mais moderno carro nacional da época, e um ônibus de mesmo nome que a nova capital. O carro foi um lance arriscado da empresa, e que futuramente se mostrou um erro, pois apesar de moderno e rápido, nunca conseguiu decolar plenamente em vendas, só fez sucesso mesmo nas pistas, com o eterno Chico Landi ao volante.

Os tempos de fartura e boas vendas se foram com o fim do governo de Juscelino. O seu sucessor, Jânio Quadros, retirou incentivos da fábrica e desmontou um esquema de favorecimento de fornecedores, por meio de pressão eleitoral, que culminou com a demissão de Tulio Araripe, e em seguida uma greve de trabalhadores terminou de colocar a empresa em crise. As instabilidades foram tantas, que em três anos a empresa teve três diretores: Amauri Pedrosa(61-62), Paiva Rio(62-63) e Aluísio Peixoto(63-64).

A renúncia de Jânio e a queda de Jango jogou a estatal nas mão do governo entreguista de Castello Branco, que sob a campanha de salvação nacional, encomendou ao seu ministro da fazenda, Roberto Campos, a viabilização da privatização da fábrica, que seria concluída em meio a um escândalo nacional e uma CPI (que não foi concluída devido o AI-5), em 1968, já no governo Costa e Silva, sob o “comando fazendário” de Delfim Netto e Edmundo Macedo. Isso, somado a Lei da Balança, que favoreceu escancaradamente empresas como a Mercedes-Benz, decretou em certa medida o inicio do fim da empresa, que apesar de estar em crise, tinha plena salvação. Para convencer a população da bancarrota da F.N.M, montou-se uma campanha difamatória e criminosa, inclusive comparando as vendas da Mercedes-Benz com as da F.N.M, o que não era viável, uma vez que estavam em nichos de mercado diferentes, e no seu, a fábrica nacional era líder.

Mesmo com as melhorias na rede de assistência, que culminaram com o aumento da venda de automóveis, a falta de modernização nos caminhões não permitiu a reconquista do mercado, enquanto isso a concorrência duplicava suas vendas. Com o controle da Alfa Romeo, a nova dona da F.N.M, os projetos de parceria com a Citröen para a fabricação de um carro popular foram praticamente encerrados, assim como as discussões do porque de a Alfa ter sido escolhida, sem pregão público, uma vez que existiam outros interessados na aquisição, foram “coercitivamente” silenciadas.

São inegáveis os esforços da Alfa Romeo em modernizar a fábrica e fazer suas vendas decolarem novamente. Aumentou potência e reduziu o preço dos automóveis de passeio, e na linha diesel, mudanças importantes ocorreram, como a adoção da direção hidráulica em toda a linha, melhorias no acabamento, aumento considerável da capacidade de carga, como o lançamento do V-17, com 4 eixos, sendo dois direcionáveis, e 27 toneladas de capacidade de carga.

Para 1972 as novidades foram a nova cabine Mille. A linha de produção diesel se resumia aos modelos 180 e 210, nomenclatura correspondente a potência em cavalos dos mesmos. Com as atualizações de motor e cabine, as vendas subiram de 1.913 unidades em 72, para 3.640, em 1974.

A visual privatização da Alfa Romeo na Itália se confirmou em 1973, com a compra da mesma pela Fiat, e no ano seguinte a fábrica de Duque de Caxias começou a montar mais um carro de passeio, que desta vez não levava mais o nome F.N.M. Era o famoso Alfa Romeo 2300. A presença da Fiat no mercado por meio da Alfa já era visível, no começo com os anúncios, depois com a exposição de dois caminhões, o 130 e o 70, no IX Salão do Automóvel, e na mesma edição a apresentação do F.N.M 210/S, o primeiro com mecânica Fiat, de 13L e 240cv, que seria o último lançamento da marca nacional.

Em 1976 foram lançados o Fiat 130 e o 70. O 190E, apesar da cabine, já viria com a marca FIAT, ao invés de F.N.M. Foi também o ano da aquisição total das ações pela montadora italiana, e em 1977 a linha já não tinha mais qualquer identidade da Fábrica Nacional de Motores, a partir daquele ano, naquela planta fabril se fabricavam somente veículos Fiat Diesel Brasil S.A.

Apesar dos planos ambiciosos da Fiat no Brasil, o seu período fabricando caminhões foi curto, e em 1985, a “cidade dos motores” foi desativada, colocando fim a uma história de audácia, tramas politicas, mas principalmente, de pioneirismo e desenvolvimento. Foram fabricados no total 110.107 veículos na fábrica, entre caminhões, ônibus e carros de passeio. Com o fim da F.N.M, o país perdeu a única montadora estatal de sua história, e o mercado permaneceu dominado pelas quatro grande, todas estrangeiras: Ford, General Motors (Chevrolet), FIAT e Volkswagen.

REFERÊNCIAS

Artigo de Eduardo Nazareth Paiva – UFRJ, denominado “Fábrica Nacional de Motores(FNM): Historiando e considerando a idéia de um contra laboratório na indústria automotiva brasileira.

Informações do site: www.lexicarbrasil.com.br

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Acadêmico de História na Universidade Regional do Cariri (URCA), foi secretário geral do Instituto Cultural do Cariri (ICC) e conselheiro de cultura do Crato. Fundou o Cariri das Antigas em 2014, e desenvolve pesquisas na área de História Política e Social. Atuou como bolsista da FUNCAP no projeto "Biopoder, Saúde e Saber médico: O Hospital Manuel de Abreu e as práticas de cura e controle da tuberculose na Região do Cariri nos anos de 1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Egberto Melo. É diretor administrativo do Clube do Automóvel do Cariri - Siqueira Campos, sendo o historiador responsável pela edição do periódico do clube, fruto de suas pesquisas acerca da história do automóvel no Brasil, com recorte entre as décadas de 1890 e 1990. Tem como pesquisa de trabalho de conclusão de curso, a História e Desenvolvimento da Aviação no Cariri, com enfoque principal na atuação do Correio Aéreo Militar.