Iniciada em 20 de novembro de 2019, com o processo de desmontagem, foi finalizada no mês corrente a restauração do relógio da coluna da hora da Praça Padre Cícero, uma iniciativa que faz parte do processo de reforma do logradouro, e contou com esforços conjuntos da SEINFRA (Secretaria de Infraestrutura) e SECULT (Secretaria de Cultura), por meio da DIPAC (Diretoria de Patrimônio Cultural) de Juazeiro do Norte.

Obra prima da carreira de Mestre Pelúsio, o relógio da coluna foi construído entre 1929 e 1931, e ocupou durante alguns anos o casarão do Padre Cícero, sendo doado à prefeitura logo após a morte do sacerdote, em 1934. A máquina é extremamente complexa e cheia de peculiaridades, fatores que tornaram ainda mais desafiador o processo de restauração, o que demandou a mão de obra do Mestre Geraldo Ramos Freire, experiente relojoeiro de Juazeiro do Norte, e que aprendeu os fundamentos da arte nas Oficinas Salesianas, estas montadas a partir da antiga oficina de Mestre Pelúsio. Aos 82 anos, Mestre Geraldo já forma seus sucessores, tendo sido auxiliado no processo pelos seus filhos, Marcus Aurelius e Junú.

Mestre Geraldo Ramos Freire, junto ao mecanismo.
FOTO: Marcus Aurelius.

Originalmente, a máquina era composta por quatro mecanismos distintos. Além do relógio, existe o carrilhão, que é responsável por acionar o martelo do sino – este fundido em 1938, também por Pelúsio Correia de Macedo – permitindo o badalar das horas, e o calendário, aliado ao mecanismo das fases da lua. Mestre Pelúsio projetou e construiu uma máquina capaz de marcar segundos e terceiros, além dos dias da semana (incluindo o 29 de fevereiro, nos anos bissextos), meses do ano e fases da lua. Ao longo das décadas, o relógio passou por diversas intervenções, que danificaram irreversivelmente o calendário, restando somente algumas engrenagens do mecanismo de fases da lua.

A partir desses fragmentos do mecanismo de fases da lua, uma vez que é desconhecido o paradeiro dos croquis originais do relógio, o Mestre Geraldo teve de executar cálculos complexos para que o relógio tornasse a marcar as fases, no que foi bem sucedido. Atualmente, a máquina encontra-se em período de observação, o que demanda cerca de 30 dias de acompanhamento diário por parte do mestre relojoeiro. Totalmente analógico, usando somente a gravidade como força motriz, esse tipo de mecanismo necessita sempre desse tipo de procedimento, que é padrão para seu funcionamento perfeito.

Outro grande desafio, inédito na carreira de Mestre Geraldo, foi transferir a máquina principal do relógio para o térreo da coluna, o que demandou a construção de um complexo sistema de eixos de transmissão e caixa de satélite. A iniciativa facilitará bastante a manutenção do mecanismo, tornando-a também mais segura, uma vez que não será mais necessário que o operador suba constantemente até o topo da coluna para dar corda ou analisar a máquina. Para além disso, a adoção de uma porta em vidro, e iluminação em LED, permitirá aos frequentadores da praça acompanhar todo o funcionamento e beleza da obra de Mestre Pelúsio.

Durante meses, nós do Cariri das Antigas estivemos fazendo levantamentos acerca dos relógios estacionários da região, pesquisa ainda em desenvolvimento. Temos no Cariri, exemplares franceses feitos em 1861, ainda em perfeito funcionamento, entretanto, os relógios construídos por Mestre Pelúsio nada deixam a dever em relação aos europeus. Infelizmente, a maioria das máquinas estão desativadas, por motivos diversos, o que torna ainda mais rara e louvável a iniciativa da gestão municipal, que além de restaurar, optou por usar a mão de obra de um mestre relojoeiro com notório saber, e que é Tesouro Vivo do estado do Ceará.

Destacamos também a responsabilidade que as prefeituras e paróquias possuidoras deste tipo de mecanismo possuem, uma vez que eles são testemunhas de uma arte com poucos representantes na região, e peças históricas de grande relevância. A reativação e conservação deles deve ser considerada urgente.

ABAIXO, O LEITOR PODERÁ ASSISTIR AO FUNCIONAMENTO DA MÁQUINA, E ACIONAMENTO DO CARRILHÃO:

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Roberto Junior
Acadêmico de História na Universidade Regional do Cariri (URCA), foi secretário geral do Instituto Cultural do Cariri (ICC) e conselheiro de cultura do Crato. Fundou o Cariri das Antigas em 2014, e desenvolve pesquisas na área de História Política e Social. Atuou como bolsista da FUNCAP no projeto "Biopoder, Saúde e Saber médico: O Hospital Manuel de Abreu e as práticas de cura e controle da tuberculose na Região do Cariri nos anos de 1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Egberto Melo. É diretor administrativo do Clube do Automóvel do Cariri - Siqueira Campos, sendo o historiador responsável pela edição do periódico do clube, fruto de suas pesquisas acerca da história do automóvel no Brasil, com recorte entre as décadas de 1890 e 1990. Tem como pesquisa de trabalho de conclusão de curso, a História e Desenvolvimento da Aviação no Cariri, com enfoque principal na atuação do Correio Aéreo Militar.