Eu nasci e cresci próxima a linha férrea, quando criança fazia um longo trajeto até a escola, e três coisas me chamavam atenção: a Cariri Industrial de Óleos, na época já desativada, as locomotivas da CFN, que passavam “cuspindo fogo” tracionando aquela imensidão de vagões, e um prédio rosa, que durante longos meses foi uma grande incógnita para mim, até que um dia “aprumei a vista” e consegui ler “Teatro Marquise Branca”; os anos passaram e a dúvida persistiu quem foi Marquise Branca? É uma pergunta que muita gente na região ainda hoje se faz.
Nascida em 06 de Dezembro de 1910, em Triunfo, Pernambuco; Albertina Brasileiro, filha de Henrique e Olegária Brasileiro, traria ao Brasil grandes contribuições na área artística, e para a cidade de Juazeiro do Norte, grandes referenciais.
A família, que teria chegado aqui por volta de 1915, era conhecida na cidade por manter uma pensão no centro, que estaria situada na Rua do Cruzeiro, no meio do quarteirão entre as ruas São Pedro e Padre Cícero, mais ou menos onde hoje temos as Lojas Americanas.
Desde criança, Marquise demonstrava talento para as artes cênicas, talvez uma herança de família, pois o pai, Henrique Brasileiro, ainda na década de 40 aparecia nos periódicos da cidade, que exaltavam seu senso aguçado para composições de rimas e poemas¹; em 1925, a caminho de completar 15 anos, a mesma esteve a frente do Bloco das Bananas, no primeiro carnaval de Juazeiro, organizado por Floro Bartolomeu da Costa ².
Em 1927 a região inteira festejou a chegada à Juazeiro, da Companhia de Teatro – Conceição Ferreira, que teria entre seus membros nomes já afamados no país e também na América do Sul, como Conceição Ferreira, Affonso Moreira e Aloísio Campelo; este último casaria com a irmã de Albertina, a senhorita Irma Brasileiro.
Uma vez terminada a temporada na região, era a hora de a companhia partir, bastante dedutível seria que Irma acompanhasse o marido, mas a irmã Albertina também seguiu viagem e graças ao cunhado receberia o nome de Marquise Branca, a partir daí teríamos seu “debut” em Iguatu, e uma noticiada turnê em Fortaleza, a serviço da “Emprezza Cine-Theatro Glória”, seguindo para Sobral, onde na edição de 07 de Janeiro de 1928, o periódico “A Ordem” noticiou: “A tarde hontem chegou, nesta cidade, a applaudida Companhia Conceição Ferreira”, que já teria Marquise escalada entre os artistas que encenariam mais tarde a comédia “Pella Gatos” e a revista “É Canja”, ornada em 12 números de música, tudo isso no Theatro São João.
Essa passagem seria importante para a jovem atriz, pois estaria aí a primeira crítica jornalística sobre Marquise que se tem conhecimento, nela o autor expressa encantamento com o nome e beleza da moça, porém, ressaltava que a ela faltavam ainda os “segredinhos de palco”, que segundo ele seriam responsáveis por fazer a fama dos bons atores e atrizes.
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Como resposta, Marquise daria a qualidade no palco; foi vertiginoso seu crescimento profissional, tanto é que após o casamento com o espanhol e companheiro de palco, Affonso Moreira, ocorrido em 6 de Setembro de 1928³, a atriz fundou em 1929, ao lado do esposo e de Carlita Moreira, o Trio Marquise Branca, o qual foi bem recebido no Maranhão e outros tantos estados do “Norte”, como era chamada toda essa porção do território brasileiro que hoje compreende regiões como o Norte e Nordeste.
Porém, engana-se quem pensar que o sucesso da Maior Sambista do Brasil(como passaria a ser anunciada em jornais na década de 30), se restringia somente as “partes altas” do país. O trio, que depois se tornaria companhia, fez diversas apresentações por todos os estados do Brasil, e excursionou pela América do Sul, tendo se estabelecido por algum tempo em Buenos Aires.
A carreira de Marquise teve seu auge a partir da metade dos anos 30, era uma época de profundas transformações no Brasil, “estouravam” nas rádios os sucessos de Francisco Alves, O rei da Voz, e o jovem Orlando Silva ganharia o apelido de “Cantor das Multidões”, marco para a transição dos espetáculos acanhados em auditórios de rádios, para as apresentações grandiosas onde milhares de pessoas se amontoavam em ruas, praças e espaços específicos, para acompanhar seus artistas favoritos; mas, e nossa Albertina? Essa, em pleno voo ao lado de estrelas como Dalva de Oliveira, ·Zezé Fonseca e outras tantas artistas, adentrou a década de 40 em ascensão meteórica e até os últimos anos desta permaneceu assim, porém, estes configurariam um período conturbado de sua vida, uma vez que seu casamento com Affonso, que gerou três filhos(Alberto, Affonsito e Norma) havia chegado ao fim, e outros problemas também de ordem pessoal refletiram em sua carreira, que teve sensível declínio.
Passados os maus momentos, a década de 50 seria marcante em sua carreira, na Rádio Tamandaré, do Recife, ela galgou espaço entre as atrizes de rádio e reacendeu seu nome, era a época de receber homenagens de novas companhias de teatro e de artistas em começo de carreira, que tinham Marquise como referencial, assim como também fazer participações especiais em peças de sucesso, e ver seu nome veiculado na recém-criada, mas muito badalada, Revista do Rádio; seria também a fase de estabelecimento da Companhia Wilson Valença-Marquise Branca, que pelos relatos durou pouco tempo.
Em 1957 teríamos as últimas peças com presença de Marquise anunciadas em rádios e jornais, e os anos seguintes de sua vida foram nebulosos; pelo levantamento que pude fazer, a mesma revezava sua vida entre o nordeste e o sul, até cair no ostracismo e nos deixar em 22 de Maio de 1965, no Rio de Janeiro, onde seria também sepultada no Cemitério São João Batista; segundo Norma Brasileiro, única filha ainda viva, e alguns amigos que escreveram crónicas em sua memória, seus últimos anos foram difíceis.
Como legado, deixou os nomes da família Brasileiro e o da cidade de Juazeiro do Norte marcados no “hall da fama” nacional; não somente ela, mas alguns de seus irmãos e irmãs, como José Brasileiro, Irma Campelo, Leda Maura e Alberto Brasileiro.
Marquise foi também um exemplo de resistência, uma vez que o contexto social brasileiro, e principalmente caririense, era extremamente desfavorável a carreira artística, especialmente para as mulheres, que sofriam grandes pressões das famílias em protesto à escolha de ser tornar artista; não sabemos se a esfera familiar de Albertina seguiu a regra, mas os julgamentos e até mesmo estatutos sociais de outrora eram inevitáveis aos nossos representantes na ribalta e outras áreas; aplaudidos nos palcos, mas vitimas de especulações em suas vidas privadas, a trajetória de nossos artistas, em especial os pioneiros, foi e é de muita luta por reconhecimento e respeito a profissão, envolvendo grandes vultos de nossa música, cinema, teatro, circo e etc.
Para mim, a história de Marquise Branca traz grandes exemplos, dentre os quais posso elencar o triste panorama da preservação de nossa memória. Muitas vezes me perguntei como alguém que fez tanto sucesso e representou tanto para uma região, possuía tão poucas fontes em sua terra, tendo eu recorrido a arquivos no Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Maranhão, para enfim conseguir, junto a depoimentos de familiares e outros pesquisadores, sistematizar um discurso que passa ao largo do real reconhecimento que ela e outros tantos merecem, é tempo de resgate e preservação!
Agradecimentos especiais a Zarly Alencar, Regi Belisario, Renato Dantas, Norma Brasileiro, e todos que direta ou indiretamente tornaram possível esse princípio de pesquisa.
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