Os ciclos da seca no Nordeste foram responsáveis por intensa migração populacional, e também por capítulos da crónica histórica do país que são por demais tristes. Em Caririaçu, no distrito de Valença, atualmente denominado Miguel Xavier, certa vez um casal de migrantes – talvez na Seca de 1915 – sem abrigo encontrar, arranchou-se num velho casarão, construído em tempos imemoriais, e que no passado pertencera ao todo poderoso, Miguel Henrique Xavier de Oliveira, ou como ficou mais conhecido, Major Miguel Xavier.

Estima-se que o dito major tenha chegado pelo Cariri, por volta de 1830, tendo encontrado primeiro abrigo em Barbalha, na região do Salamanca, e por conta da escassez de terras subiu a Serra de São Pedro em busca de local livre para cultivo de culturas e requisição de sesmaria, encontrando nas margens do Rio Jenipapeiro uma grande propriedade que atendeu suas necessidades, e por conta da geografia do local, a chamou de Caatinga Redonda.

Miguel Xavier cultivou cana de açúcar e mandioca, assim como também criou gado, e viu a população de sua fazenda cada vez mais crescer, assim como também seu prestigio político, vide sua eleição para deputado em 1842. Foi durante a Guerra do Paraguai que o povoamento cresceu ainda mais, pois muitos sertanejos, fugindo do alistamento, encontraram no major abrigo e terras para trabalhar e viver, o único obstáculo seria viver sob a batuta de Xavier, homem de temperamento difícil e que comandava sua propriedade com mão de ferro, e tais fatores contribuíram para dar ao mandão ares de homem sobrenatural ainda em vida, tendo a oralidade popular registrado intensamente casos em que o sujeito escapou de emboscadas e outros perigos. Impossível para ele foi escapar da tuberculose, por volta de 1880, e até na morte o homem causou assombramento ao que ali residiam, pois em seu derradeiro momento, não contou com a presença de um padre, e expirou sem a extrema unção.

Mas voltando ao casal de retirantes que escolheram o casarão do major para abrigar-se, conta-se que passado algum tempo, tiveram uma filha, e o pai escolheu um “casal de amancebados” para apadrinhar a criança, o que contrariava os ensinamentos católicos, e a fé da mãe da criança, que prontamente se posicionou contrária a tal situação. O pai, contrariado e inflado pela fúria, praguejou e disse à esposa que de sua parte daria até ao diabo. Foi a partir daí que as manifestações passaram a acontecer, tendo a infância da criança sido marcada por visagens, sons e outros acontecimento, que de tão intensos passaram a chamar a atenção dos outros habitantes do povoado.

Certo dia a criatura diabólica decidiu levar de vez a criança, e o reboliço na Valença foi enorme, tendo a população se reunido em infindáveis novenas, e por último recorrendo ao célebre Padre Cícero Romão Batista, que dentre as muitas ações contra o encardido, a mais memorável foi ter tornado bento um cordão, que usou para amarrar o cão em um pé de catolé, e o diabo sem ver saída, começou a correr amarrado a árvore tornando-a fina diante do atrito do cordão, até que por fim, o catingudo sucumbiu as orações do padre e desapareceu sertão a dentro.

Passadas muitas décadas dos acontecimentos, não tendo restado nenhum remanescente dos acontecimentos iniciais, a lenda permanece muito forte nas quebradas da Serra de São Pedro, e o terror foi tão grande que a população tratou de dar fim a casa grande onde viveu Miguel Xavier, local de referência das manifestações diabólicas, sendo comuns até hoje as recomendações dos moradores mais antigos para que se tome cuidado ao circular pelas estradas vicinais do distrito, principalmente durante a noite, pois ainda são recorrentes as aparições e manifestações do Cão da Valença. Atribui-se ao Major Miguel a responsabilidade pelas assombrações, diante das histórias que ele deixou ainda em vida, e o pavor criado diante de sua imagem ofuscou sua importância na história regional.

 

Agradecimentos especiais a Fabiano Gomes Lopes e Cristiano Gomes Lopes, que fizeram e fazem um trabalho importante para a preservação do patrimônio material e imaterial do Distrito de Miguel Xavier.

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Acadêmico de História na Universidade Regional do Cariri (URCA), foi secretário geral do Instituto Cultural do Cariri (ICC) e conselheiro de cultura do Crato. Fundou o Cariri das Antigas em 2014, e desenvolve pesquisas na área de História Política e Social. Atuou como bolsista da FUNCAP no projeto "Biopoder, Saúde e Saber médico: O Hospital Manuel de Abreu e as práticas de cura e controle da tuberculose na Região do Cariri nos anos de 1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Egberto Melo. É diretor administrativo do Clube do Automóvel do Cariri - Siqueira Campos, sendo o historiador responsável pela edição do periódico do clube, fruto de suas pesquisas acerca da história do automóvel no Brasil, com recorte entre as décadas de 1890 e 1990. Tem como pesquisa de trabalho de conclusão de curso, a História e Desenvolvimento da Aviação no Cariri, com enfoque principal na atuação do Correio Aéreo Militar.