Quando chego a uma cidade, geralmente, um dos meus primeiros pontos de visita é a igreja matriz. Em seu quadro estão os imóveis mais antigos do lugar, e a partir dela, consigo traçar um roteiro mais sólido. Entretanto, em Santana do Cariri, município que visitei em 31 de janeiro de 2021, a ordem foi inversa, parti imediatamente em busca de informações sobre um chalé de exuberante beleza, que me havia sido apresentado por Guilherme Pereira, fundador do blog de Quincuncá.

Chegando ao dito imóvel, cuja localização no Google Maps irá constar no final desse artigo, pude vislumbrar um resquício dos dias de glória da Fazenda Veneza. Construído em 1932, a mando de Daniel do Vale Nuvens, o chalé foi edificado sob uma rígida estrutura em Pedra Cariri, que permitiu ao proprietário deixar três porões, onde ele armazenava o resultado de suas safras, assim como também as suas ferramentas de trabalho.

Portanto, o piso do chalé da Veneza é em madeira, e o mesmo dispensa a presença de sótão. Após o falecimento de Daniel do Vale, o imóvel ficou sendo habitado por D. Mariquinha, sua viúva. Contou-me Daniel Ozires, neto dos primeiros proprietários, que sua avó cuidava do bem com muita estima, e conservava em cada janela uma lata de querosene com planta ornamentais, assim como também um belíssimo jardim na fachada que dava para a estrada.

    Abertura dos porões
Vista interna

Desde o falecimento de D. Mariquinha, ocorrido no final da década de 1960, o imóvel ficou desabitado, sendo utilizado como depósito pela família, que ali guarda suas ferramentas de trabalho, e usam os porões como galinheiro. Tive a sorte de encontrar com Daniel Ozires, neto de Daniel do Vale, que foi muito solicito. Um homem simples, de sorriso fácil, e que com grande saudosismo me apresentou o chalé completamente.

Em casos como esse, é perceptível que o abandono e o descaso com o bem não são propositais. Aliás, faço um aparte, o imóvel não está abandonado, mas sim desabitado. Recordando sua infância, percebi até certo desgosto na voz de Daniel, o que me provou que a ruína daquele bem ocorreu pelas forças cruéis do destino familiar, que não permitiu aos herdeiros condições de melhor manter o casarão.

Com danos estruturais severos, é uma questão de tempo até que o chalé venha a ruir. Levará consigo a arte de um mestre que se dedicou deveras em suas fachadas, com janelas adornadas, cornijas, colunas com arquitraves e um frontão majestoso, que em muito me lembra a bandeira do Brasil, mas que no círculo central possui uma roseta linda, e que certamente demandou muito tempo e talento de que a executou.

Escrevo esse artigo esperançoso, de que o Chalé da Veneza encontre melhor destino, e tendo em vista a fragilidade financeira dos proprietários, receba o devido reconhecimento por parte do poder público municipal, que certamente irá buscar formas junto aos poderes estadual e federal, de custear seu restauro e permitir que ele afronte os séculos, e sirva sempre como referência do fazer e saber da construção civil local de outrora.

ABAIXO CONFIRA AS FOTOS DO IMÓVEL, O VÍDEO COMPLETO PODERÁ SER VISTO CLICANDO AQUI:

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Roberto Junior
Acadêmico de História na Universidade Regional do Cariri (URCA), foi secretário geral do Instituto Cultural do Cariri (ICC) e conselheiro de cultura do Crato. Fundou o Cariri das Antigas em 2014, e desenvolve pesquisas na área de História Política e Social. Atuou como bolsista da FUNCAP no projeto "Biopoder, Saúde e Saber médico: O Hospital Manuel de Abreu e as práticas de cura e controle da tuberculose na Região do Cariri nos anos de 1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Egberto Melo. É diretor administrativo do Clube do Automóvel do Cariri - Siqueira Campos, sendo o historiador responsável pela edição do periódico do clube, fruto de suas pesquisas acerca da história do automóvel no Brasil, com recorte entre as décadas de 1890 e 1990. Tem como pesquisa de trabalho de conclusão de curso, a História e Desenvolvimento da Aviação no Cariri, com enfoque principal na atuação do Correio Aéreo Militar.