Há alguns meses escrevi sobre um casarão em Juazeiro do Norte, que parecia ter parado no tempo; a época, as poucas fontes que consegui me indicavam se tratar da antiga residência de Abel Sobreira, homem que no século passado desbravou as margens do Riacho das Timbaúbas e lá montou engenho de cana e outras fazendas; mas a História é dinâmica, está sempre em movimento, e ciente disso dei continuidade as minhas pesquisa sobre o local, conseguindo chegar até Abel Neto, herdeiro de Francisco Dias Sobreira, verdadeiro dono da casa.

Existia a versão de que o imóvel fora construído em 1915, mas segundo Abel Neto, o chalé foi erigido em 1923, a mando de seu pai. Atualmente desocupado, mas não abandonado, o velho casarão guarda algo de melancólico e nostálgico, e nem a movimentada Avenida José Bezerra consegue quebrar o clima de calmaria que o envolve, é como se todo o bairro que cresceu em seu entorno, dentro das terras que um dia pertenceram a “Seu Chiquinho Sobreira”, não ali existisse, pois a velha e resistente casa se recusa e viver no mundo contemporâneo, e o curral ao lado, o cheirinho de sitio, junto do barulho dos cachorros brincando, tudo isso nos leva a acreditar neste conto fantástico contado por este quase centenário remanescente. Uma pintura na casa e um fogão de lenha aceso, e o transeunte provavelmente esperaria o próprio Chiquinho Sobreira despontar pela porta de madeira para contar-lhe quantas cargas de rapadura renderam a plantação.

O herdeiro é um homem simples, e muito receptivo, daquelas pessoas que nos passam tranquilidade quando estamos em sua presença; pede que não repare na bagunça, pois diante da labuta não tem condições de cuidar da casa como gostaria, mas se orgulha da mesa de cedro, que um dia serviu de base para as ceias de família, e relembra a mãe que deixou seu oratório como lembrança; orgulhoso do passado do pai que foi latifundiário e um dos homens ricos de Juazeiro, nos conta das enormes propriedades e da fartura de outrora, lamentando a mudança que o tempo, este ser implacável, promoveu na realidade do espólio.

Abel Neto, homem simples e de grande espírito.

Esse magnífico exemplar de chalé é testemunha de 96 anos de mudanças e aproximações da urbe em direção ao Riacho das Timbaúbas. A região de brejo corrobora com a atividade que é atribuída aos Sobreira pelo Almanak Laemmert: donos de engenho de açúcar. As férteis ribeiras do hoje poluído Riacho das Timbaúbas serviram um dia para plantio da cana de açúcar, e também para adocicar os ares das madrugadas com o cheiro do melaço e as cantigas populares em torno da produção.

Francisco Dias Sobreira – Acervo de Renato Casimiro e Daniel Walker

Infelizmente os dias são outros, do engenho nem os torrões restaram, muito menos do aviamento de farinha, intacto somente o saudosismo de Seu Abel com o passado da família, que foi responsável por dar início a construção de um dos bairros mais populosos de Juazeiro, o Bairro Pirajá, nome este que faz referência a José Tavares Pirajá, cunhado de Francisco Dias Sobreira, este último responsável por construir os dois primeiros imóveis da localidade em 1937, usando-os com fins comerciais, tendo arrendado a venda por volta de 1946 ao cunhado, homem de tino comercial, que de tanto atender bem e vender barato, virou ponto de referência naquele trecho. Francisco também foi responsável por fazer várias doações de terra – e até construir casas para os que não possuíam recurso suficiente – nas proximidades do ramal ferroviário que ligava Juazeiro a Barbalha, outro fator determinante para o surgimento do bairro.

DEPOIMENTO DE ABEL SOBREIRA NETO:

P.S.: Tendo em vista que se tratava de uma visita inesperada, não estávamos com equipamento adequado.

CONFIRA MAIS ALGUMAS IMAGENS DO IMÓVEL:

FONTES: 

FOTO E TEXTO DE ROBERTO JÚNIOR.

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Acadêmico de História na Universidade Regional do Cariri (URCA), foi secretário geral do Instituto Cultural do Cariri (ICC) e conselheiro de cultura do Crato. Fundou o Cariri das Antigas em 2014, e desenvolve pesquisas na área de História Política e Social. Atuou como bolsista da FUNCAP no projeto "Biopoder, Saúde e Saber médico: O Hospital Manuel de Abreu e as práticas de cura e controle da tuberculose na Região do Cariri nos anos de 1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Egberto Melo. É diretor administrativo do Clube do Automóvel do Cariri - Siqueira Campos, sendo o historiador responsável pela edição do periódico do clube, fruto de suas pesquisas acerca da história do automóvel no Brasil, com recorte entre as décadas de 1890 e 1990. Tem como pesquisa de trabalho de conclusão de curso, a História e Desenvolvimento da Aviação no Cariri, com enfoque principal na atuação do Correio Aéreo Militar.