FONTE: IPHAN

Barbalha é guardiã de um dos patrimônios arquitetônicos mais importantes do Ceará, dentre os imóveis que compõe esse acervo, um dos mais destacados é o Engenho Tupinambá. Situado próximo ao Rio Salamanca, o imóvel possui uma arquitetura incomum para a cultura canavieira do Cariri, que comunga Casa Grande e Engenho, quando o tradicional seria ambos separados, mas ainda assim próximos.

Tantas particularidades fazem do Tupinambá o senhor dos engenhos do Cariri, ao ponto de J. de Figueiredo Filho dedicar um capítulo inteiro de sua obra “Engenhos de Rapadura do Cariri” exclusivamente ao supracitado, tendo chegado a rivalizar com o Lagoa Encantada em adiantamento tecnológico, possuindo capacidade produtiva sempre considerável. No final das contas, até os mais modernos engenhos sucumbiram ao advento da indústria sucroalcooleira.

A história do Tupinambá começa em 1844, quando o comerciante Antônio Manoel de Sampaio compra uma propriedade no Sitio Barreiras, de propriedade da família Filgueiras, que após envolvimento nas convulsões políticas da região, amargava finanças ruins. Nesta propriedade existia um pequeno engenho com casa de caldeira e moenda, e mais seis tarefas de cana, todavia, os planos de Sampaio eram maiores, e assim ele passou a adquirir propriedades vizinhas, que juntas a herança recebida pela sua esposa, Antônia Porcina do Amor Divino, formaram uma enorme propriedade, que o mesmo denominou Tupinambá, e ali edificou o engenho colossal, vide registros de 1855.

O Tupinambá foi dos primeiros engenhos dotados de máquinas a vapor no Cariri. A fortuna de Antônio Manoel de Sampaio se explica pelas suas aplicações comerciais na Casa Sampaio, e na diversificação promovida com os investimentos na cultura canavieira, possuindo nome nas praças da capital e do Recife. Ao falecer em outubro de 1870 deixou uma fortuna de 212 contos de réis, que para um homem de 56 anos era uma bagatela impressionante, talvez a maior fortuna da região no período. Também era de sua propriedade o casarão onde hoje está localizada a Secretária de Cultura de Barbalha, que infelizmente não conserva o esplendor de outrora, sendo este um tópico a parte que irei tratar em outro artigo.

Somente em 1891, com a falecimento da viúva, é que o espólio foi repartido integralmente, e é a partir deste momento que se inicia a maior presença de Antônio de Sá Barreto Sampaio, sobrinho e genro do fundador do Tupinambá. Com o passar dos anos o mesmo foi adquirindo as participações do cunhados e cunhadas nos antigos negócios do tio, até se tornar majoritário e em alguns casos, como no do Tupinambá, único dono. É sob o comando de Antônio de Sá Barreto Sampaio que surge a figura de José Pereira Pinto Callou, apelidado de Zé Major, parente seu que iria administrar o engenho por longos anos, a partir de 1899-1900, se estendendo até 1945, e seria marcante na história mais recente do empreendimento.

Antônio de Sá Barreto Sampaio e família – Acervo de Yacê Carleial Feijó

A Sedição de 1914 foi um dos maiores golpes que o patrimônio da família sofreu naqueles tempos. Invadida em janeiro de 1914, Barbalha foi devastada e muitas casas comerciais sofreram quedas irrecuperáveis, a exemplo da própria Casa Sampaio, e isto foi suficiente para que Antônio de Sá Barreto Sampaio preferisse administrar seus negócios a distância, do Pernambuco, onde adquiriu novas propriedades agrícolas.

Em 1930, o proprietário do Tupinambá morre, e entra em cena um de seus filhos, Antônio de Sá Barreto Sampaio Júnior, médico no Recife, mas atento aos negócios da família, não conseguindo, porém, amealhar patrimônio equivalente ao do pai e do tio-avô. Entretanto, isso não caracteriza demérito a ele, que junto ao metódico “Zé Major” administrou o empreendimento com grande habilidade e cautela, investindo sempre em novos maquinários e diversificação das canas plantadas. Por volta de 1943, Dr. Júnior, como era conhecido o proprietário do Tupinambá, envia ao Cariri seu filho, Elony Sampaio, que já possuía experiência com engenhos e viria assumir o lugar do antigo administrador, Zé Major.

Foi na gestão de Elony Sampaio que o Tupinambá viu maior desenvolvimento tecnológico, com a chegada de novos meios de transporte e logística, como o caminhão e o trator, e também o motor a diesel que viria aposentar as caldeiras a vapor, aliado a um moderno alambique vindo do Pernambuco.

A crise dos engenhos é um fenômeno longo e complicado demais para ser explicado em um breve artigo como este, uma conjunção de fatores, em sua maioria ligados aos custos de produção e a concorrência das usinas fez com que os engenhos se tornassem seres obsoletos com suas certidões de óbito já assinadas. Assim como engenhos com alta capacidade produtiva e de investimento inviabilizaram engenhos menores, as usinas também atingiram a estes de modo praticamente irreversível, assim como também o “boom” das estradas de JK reduziram os custos do açúcar, e tornaram-no um produto acessível a mais pessoas, que antes utilizavam a rapadura. Esses são apenas alguns dos fatores, como disse anteriormente, estruturas econômicas como essa não desmoronam do dia para a noite, assim como foram complexos os processos históricos que as afirmara, complexos também são os motivos de seu declínio.

Situado próximo ao centro urbano de Barbalha, o Tupinambá durante mais de um século encheu os ares da urbe com o cheiro açucarado do processamento da cana, mas precisar seu tempo de fogo morto é algo complicado, pois sua desativação foi gradual durante a década de 1980. Amargando mais de 20 anos de abandono, desabamentos e pilhagem, a grandiosa edificação recebeu há alguns anos longo processo de reforma e adaptação, tornando-se assim uma exceção feliz, exemplo da capacidade de aproveitamento dos imóveis antigos para usos contemporâneo. Infelizmente não consegui retorno em minha tentativa de marcar nova visita ao local, que recebe modificações em seus arredores regularmente.

O Engenho em 2016, última visita que fiz – FOTO: Roberto Júnior

COMO CITAR:

JÚNIOR, Roberto. . In: JÚNIOR, Roberto. O Grandioso Engenho Tupinambá. Juazeiro do Norte, 5 ago. 2019. Disponível em: https://cariridasantigas.com.br/o-grandioso-engenho-tupinamba/. Acesso em: 5 ago. 2019.

FONTES:

  • CARLEIAL FEIJÓ DE SÁ, Maria Yacê. Os homens que faziam o Tupinambá moer: Experiências e Trabalho nos Engenhos de Rapadura do Cariri (1945-1980). 2007. Dissertação (Mestrado em História Social) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2007.
  • DE FIGUEIREDO FILHO, José. Engenhos de Rapadura do Cariri. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico – IBGE, 1958.

 

Acadêmico de História na Universidade Regional do Cariri (URCA), foi secretário geral do Instituto Cultural do Cariri (ICC) e conselheiro de cultura do Crato. Fundou o Cariri das Antigas em 2014, e desenvolve pesquisas na área de História Política e Social. Atuou como bolsista da FUNCAP no projeto "Biopoder, Saúde e Saber médico: O Hospital Manuel de Abreu e as práticas de cura e controle da tuberculose na Região do Cariri nos anos de 1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Egberto Melo. É diretor administrativo do Clube do Automóvel do Cariri - Siqueira Campos, sendo o historiador responsável pela edição do periódico do clube, fruto de suas pesquisas acerca da história do automóvel no Brasil, com recorte entre as décadas de 1890 e 1990. Tem como pesquisa de trabalho de conclusão de curso, a História e Desenvolvimento da Aviação no Cariri, com enfoque principal na atuação do Correio Aéreo Militar.