LEIA NOSSO ARTIGO SOBRE PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO RURAL: https://cariridasantigas.com.br/a-importancia-do-patrimonio-arquitetonico-rural/

Saindo do Exu, pela R. Netinho Coelho, ingressamos em uma via rural que rapidamente nos transporta para um espaço deslocado dos dias contemporâneos. Permeada de casarões e casas de taipa erguidas em tempos há muito idos, ela desemboca em uma grande mureta, que marca a entrada no terreiro do casarão da Fazenda Uruguay, passagem obrigatória para todos que desejam acessar os distritos e sítios que estão no território adiante, e prova da importância que a propriedade exercia em outros contextos.

Com quatro portas e oito janelas em sua fachada, o enorme chalé se distribui em forma de cruz. No térreo, possui como destaque os alpendres em alvenaria, com arcos e bases de coluna de apurada estética. No pátio direito, a joia da coroa é a pequena capela, que apesar de desativada, ainda mantém o altar, infelizmente sem a imagem do santo de devoção. No telhado, existem indícios de que foram usados lambrequins no passado. A ausência de cornijas é um fato interessante, muito embora, nas extremidades existam a representação de longas colunas com arquitraves no final. São imprecisos os arcos das janelas e portas da fachada da Uruguay, em sua maioria são romanos, mas também existem alguns com pronunciamentos que lembram os arcos em gota. Disformes também são os ornamentos entre a porta e o arco, que muito lembram o do Solar Maria Olímpia, em Barbalha.

Fachada aproximada – FOTO: Roberto Júnior
Capela da fazenda – FOTO: Roberto Júnior

São escassas as fontes sobre a Uruguay, mas apontamentos interessantes foram feitos por Bibi Saraiva, principal pesquisador da história de Exu. Finalizado em 1916, o imponente imóvel foi construído a mando de Raimundo Peixoto Coelho de Alencar, popularmente conhecido como Netinho Coelho, importante criador e fazendeiro, que teria chegado à cidade em meados de 1910. Levando em conta o contexto social e econômico do lugar, é provável que a ordem de erigir tamanha construção, tenha sido dada em recorte temporal muito próximo ao da chegada do proprietário, tendo em vista a grande demanda de tempo necessária para concluir uma obra como essa naquele período.

Em relação ao histórico da fazenda, sua importância não se dá somente no campo econômico, mas também está ligado a um dos maiores conflitos bélicos já registrados entre famílias no nordeste brasileiro, e que chegou a ser noticiado em âmbito nacional e internacional: A guerra entre as famílias Alencar e Sampaio.

Em 1949, ano em que houve o estopim da guerra, a Uruguay foi um dos alvos dos cabras do temido, Chico Romão, chefe político de Serrita. Exu inteira estava sob estado de sítio, famílias abandonaram suas propriedades, e as mortes se somavam rapidamente, mas a história desse conflito é bastante extensa, e merecerá um artigo específico no futuro.

Voltando a Uruguay, Netinho Coelho, seu proprietário, teve que se exilar em Barbalha, onde tinha familiares e acreditava estar mais seguro. Entretanto, a força do Cel. Chico Romão ultrapassava estados, e no Sítio Riacho do Meio, na cidade cearense, Netinho Coelho foi atacado, juntamente a seu irmão, João Batista Coelho Garcia, em uma emboscada executada por homens do chefe de Serrita. Ferido no rosto, Coelho solicitou aos governadores dos estados do Pernambuco e do Ceará, providências em relação a sua seguridade, e ao fim do conflito.

Hoje a Uruguay vive dias tranquilos, agitados somente o gado no curral, e a rotina dos trabalhadores, que apressados conduzem tratores e camionetes, encaminhando os afazeres do dia. Apesar de esteticamente dar sinais de cansaço, o casarão é de uma integridade estrutural invejável, sendo habitado, e possuindo ainda parte da antiga mobília, em madeira de lei e arremates admiráveis. As principais intervenções estão concentradas principalmente no piso do térreo.

Eraldo Parente, atual proprietário, gentilmente nos recebeu e autorizou que ingressássemos no imóvel, onde pudemos constatar que o piso superior da Uruguay é integral, não sendo somente um quarto elevado ou sótão de legumes, e sim uma estrutura com divisões e cômodos diversos, com vigas em madeira, e que segue boa parte da planta do piso térreo. Eraldo também ressaltou os cuidados que tem tomado com o imóvel centenário, e informou que pretende fazer novas reformas em breve, tendo recebido breve assessoria sobre as peculiaridades desse tipo de edificação.

Sem sombra de dúvidas, a Ururguay é um expoente da arquitetura rural nordestina. Imponente, avisa aos seus visitantes que os anos não lhe tiraram os atributos que sua arquitetura lhe confere, e o fato de ela ter sido um dos palcos da Guerra do Exu, reforça ainda mais o apelo histórico do imóvel. Desejamos que a Uruguay afronte os séculos, e siga sendo essa fonte inesgotável de conhecimento sobre a arquitetura e as técnicas construtivas de outrora.

Detalhes dos arcos dos alpendres do casarão – FOTO: Roberto Júnior

Agradecimentos especiais a Gilberto Leite e Antônio Firmino, companheiros de viagem. Agradeço também a Bibi Saraiva, pela solicitude de sempre.

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Roberto Junior
Acadêmico de História na Universidade Regional do Cariri (URCA), foi secretário geral do Instituto Cultural do Cariri (ICC) e conselheiro de cultura do Crato. Fundou o Cariri das Antigas em 2014, e desenvolve pesquisas na área de História Política e Social. Atuou como bolsista da FUNCAP no projeto "Biopoder, Saúde e Saber médico: O Hospital Manuel de Abreu e as práticas de cura e controle da tuberculose na Região do Cariri nos anos de 1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Egberto Melo. É diretor administrativo do Clube do Automóvel do Cariri - Siqueira Campos, sendo o historiador responsável pela edição do periódico do clube, fruto de suas pesquisas acerca da história do automóvel no Brasil, com recorte entre as décadas de 1890 e 1990. Tem como pesquisa de trabalho de conclusão de curso, a História e Desenvolvimento da Aviação no Cariri, com enfoque principal na atuação do Correio Aéreo Militar.