Raríssima fotografia de Pelusio Correia de Macedo junto a sua obra máxima. Ressalto a importância de o leitor se atentar aos mostradores, que conservavam as funções originais da complexa máquina. FONTE: Acervo de Renato Casimiro.

Em 1929, diante da finalização da catedral de Petrolina, obra executada pela Odebrecht, o Padre Cícero encomendou a Pelúsio Correia de Macedo, o grande mestre relojoeiro de Juazeiro do Norte, a construção de uma máquina especial, que seria doada a Dom Antônio Maria Malan, primeiro bispo da Diocese de Petrolina.

Perfeccionista e extremamente inteligente, Mestre Pelúsio buscou superar as expectativas do Padre Cícero. Abdicou das formas do relógio matriz de suas oficinas, e desenhou uma nova arquitetura, muito mais sofisticada e rebuscada. Apesar das limitações físicas de sua oficina, o relojoeiro traçou o projeto ambicioso de anexar ao relógio um complexo sistema de calendário e fases da lua.

A constituição de um relógio estacionário comum resumia-se somente ao mecanismo central, o carrilhão, mecanismo responsável por acionar o martelo do sino da coluna, e trabalha em conjunto com a máquina central. O sistema de transmissão é o responsável por alimentar a caixa satélite, de onde saem os eixos para os mostradores. No caso do relógio em questão, outros dois mecanismos eram inclusos: calendário e fases da lua.

Noticiada em diversos periódicos, inclusive do Sudeste, a construção do mecanismo mereceu destaque no Diário de Pernambuco, jornal para o qual Mestre Pelúsio enviou uma carta descritiva do mecanismo, que optei por transcrever de forma integral abaixo:

Diário de Pernambuco – Edição de 17 de fevereiro de 1933.

“NOTICIAS DO JOAZEIRO – Um relógio admirável. Em 73 anos, atrasará um minuto! As fases da lua e dias dos meses são marcados (…)”

“O sr. Pelusio de Macedo, antigo telegrafista aposentado e habilíssimo mecânico, acaba de construir mais um relógio. Relógio formidável, monumental, quase semelhante ao do célebre Jacinto, de Eça de Queiroz.

O trabalho foi realizado no espaço de um ano, e é digno de admiração, principalmente conhecidos os meios que se lança mão o engenhoso artista para confecção da obra, numa officina que se afigura paupérrima e desaparelhada.

Foi um presente do mecânico ao Padre Cícero Romão Batista, que traz a preciosa máquina numa das suas casas à Rua São José, isolada, ocupando quase uma sala de relativo espaço.

Para melhor apreciação desse trabalho mecânico, damos a seguir, a descrição do mesmo, feita pelo artista:

“Relógio de torre, de oito dias, com dois mostradores, marcando horas e meia horass, etc; mais os meses, a data, do dia e as fases da lua. Construído em maiores proporções que os estrangeiros, com a armação e as rodas de bronze, mais vantajoso visto possuir maior resistência, enquanto tem a cor mais agradável, e os eixos e mais peças de aço escolhido. As pontas dos eixos das rodas motoras, para trabalho e bater a pancada das horas, são colocadas em caixas de esferas. Assim, o balanço do pêndulo é sobre esferas de aço. Todas as indicações do ponteiro são feitas matematicamente certas, havendo, no movimento da lua, cujo circuito é feito em um tempo complicado de minutos, segundo e até terceiros, um atraso quasi inapreciável, precisando de setenta e dois anos para o ponteiro atrasar o tamanho de um minuto, como está marcado no circuito do mostrador.

Os meses são marcados sem nenhuma diferença, mesmo o vinte e nove de fevereiro, de quatro em quatro anos”

É o quarto trabalho executado pelo sr. Pelusio de Macedo: perfeitos se acham e por muito tempo ainda o serão, os relógios das matrizes de Joazeiro, São Pedro e Petrolina, em Pernambuco.

Acha-se em via de execução um relógio de torre, para Lavras. Talvez em Joazeiro, o futuro relógio de Fortaleza fosse mais bem construído e por preço a contento”.

Executado o projeto da máquina, o complexo mecanismo começou a ser testado. Diante da excepcionalidade e precisão do relógio, o Padre Cícero ordenou a construção de uma nova máquina, seguindo o relógio matriz das oficinas da Rua São José, para finalmente ser doada ao Bispo Dom Malan. O relógio inicial, o sacerdote decidiu guardar em seu casarão.

Orgulhoso da genialidade de Pelúsio, o Padre Cícero montou o maquinário em um gabinete de madeira especial, com suporte para os mostradores. Eram constantes as visitas de autoridades políticas e militares, jornalistas e escritores, buscando alguns minutos da atenção do religioso. A partir de 1930, o rito de visita ao casarão passou a incluir a visita ao quarto do relógio, onde perplexos com a beleza e peculiaridades do mecanismo, os visitantes teciam suas considerações, a destacar as observações de Elias Mallmann, um dos últimos jornalistas a visitar o patriarca de Joazeiro, e que em sua matéria para o periódico “A Noite Illustrada”, na edição de 04 de dezembro de 1934, contando as impressões que teve do encontro, destacou a presença de Pelúsio e de sua máquina.

Após a morte do Padre Cícero, ocorrida em 20 de julho de 1934, o relógio foi doado à prefeitura municipal, pela Beata Mocinha, em 11 de agosto de 1934, em reunião onde se fizeram presentes o testamenteiro universal do religioso, o Cel. Antônio Luiz Alves Pequeno, e Pelúsio Correia de Macedo. Segundo Amália Xavier, o objetivo da doação seria justamente para que ele fosse colocado em torre apropriada, que seria construída na Praça Almirante Alexandrino (atual Padre Cícero).

Inaugurada em 1935, e projetada por Agostinho Balmes Odisio, a Coluna da Hora foi edificada pelo afamado, José Sabino, mestre de obras bastante requisitado no período, sob a supervisão de Odílio Figueiredo, secretário de administração durante a interventoria municipal de Francisco Nery da Costa Morato. Ao ser inaugurada, a coluna não contava com seus vitrais e relógio, não tendo sido possível precisar a data da instalação, entretanto, indícios apontam que já no ano seguinte, em 1936, o mecanismo tenha sido instalado.

Originalmente redondos, os mostradores foram alterados durante a primeira administração de Manoel Salviano, responsável por fazer intervenções severas na Praça Padre Cícero e seus equipamentos. Matérias da revista Região, em sua edição de 14 de julho 1985, indicam que o relógio também havia sido substituído, mas durante o processo de restauro iniciado em 2019, foi constatado tratar-se de máquina idêntica a de registros da década de 1930, sendo possível afirmar que as alterações se limitaram somente aos mostradores, que perderam funções em relação ao seu layout original.

Atualmente o relógio encontra-se em perfeito estado de conservação. Durante seu restauro, finalizado em novembro de 2020, e executado pelo Mestre Relojoeiro – Geraldo Ramos Freire, e seus filhos, Junú e Marcus Aurelius, foi possível transferir o maquinário para o térreo da coluna, o que além de facilitar a manutenção, permitiu ao público da Praça Padre Cícero apreciar o funcionamento do mecanismo, especialmente o do carrilhão, responsável por acionar o martelo do sino, indicando as horas por meio das badaladas, situando temporalmente os munícipes, mesmo a distância.

FUNCIONAMENTO E ACIONAMENTO DO CARRILHÃO

HISTÓRIA E RESTAURAÇÃO

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Acadêmico de História na Universidade Regional do Cariri (URCA), foi secretário geral do Instituto Cultural do Cariri (ICC) e conselheiro de cultura do Crato. Fundou o Cariri das Antigas em 2014, e desenvolve pesquisas na área de História Política e Social. Atuou como bolsista da FUNCAP no projeto "Biopoder, Saúde e Saber médico: O Hospital Manuel de Abreu e as práticas de cura e controle da tuberculose na Região do Cariri nos anos de 1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Egberto Melo. É diretor administrativo do Clube do Automóvel do Cariri - Siqueira Campos, sendo o historiador responsável pela edição do periódico do clube, fruto de suas pesquisas acerca da história do automóvel no Brasil, com recorte entre as décadas de 1890 e 1990. Tem como pesquisa de trabalho de conclusão de curso, a História e Desenvolvimento da Aviação no Cariri, com enfoque principal na atuação do Correio Aéreo Militar.