MANTENHA O CARIRI DAS ANTIGAS NO AR, APOIE CLICANDO AQUI

VEJA O RELÓGIO EM FUNCIONAMENTO: https://www.youtube.com/watch?v=U3h0i-56gQk

Iniciarei essa série de publicações sobre os relógios estacionários da região, fruto de minha peregrinação pelas torres e colunas do Cariri, falando do mais antigo relógio que temos registro, o Ungerer da Catedral do Crato. O maquinário, ainda hoje operante, é o resultado de uma verdadeira epopeia, que foi documentada em detalhes no jornal “O Araripe”, pioneiro na região, e dirigido por ninguém menos que João Brigido dos Santos.

Após a conclusão da segunda torre da matriz de Nossa Senhora da Penha, a população do Crato uniu-se em torno da campanha iniciada pelo vigário, Manoel Joaquim Aires do Nascimento, para a aquisição de um relógio para complementar o templo, e dar compasso ao dia a dia da cidade. Finalizada a arrecadação, ficou encarregado de executar a compra, Marcos Antônio de Macedo, deputado responsável pelo primeiro projeto de transposição do Rio São Francisco.

Aspecto geral da máquina.

Macedo viajou até Paris, e na capital francesa assinou a ordem de compra de um mecanismo da Ungerer Freires, uma das mais afamadas fabricantes de relógios da Europa, localizada em Strasbourg, na Alsácia, território hoje pertencente a França, mas que no período estava sob domínio alemão, e por isso os periódicos e livros registraram o relógio como sendo de origem germânica. Era agente da fábrica em Paris, o Sr. Fournier, que tinha escritório a Rue de Malte, nº24, a quem Macedo pagou a quantia de 1.130 francos.

Até os dias atuais, viajar ao continente europeu representa uma despesa relevante. Naquele período, a viagem empreendida por Marcos Antônio era ainda mais desgastante. Sem estradas, geralmente se buscavam os portos de Petrolina, onde se embarcava em busca das conexões com o porto do Recife e depois o do Rio de Janeiro. O que hoje se faz em algumas horas, levava semanas, por terra, em lombo de animais, e por rios e mares, a bordo das embarcações dotadas de motores a vapor.

Plaqueta da Ungerer, indicando ano de fabricação e local.

Feito o pedido, o relógio e seus componentes ficaram prontos em 1860, e foram remetidos imediatamente ao Brasil, desembarcando aqui em 1861. Outras vez as dificuldades de transporte se impuseram, principalmente, porque o Ceará não dispunha de um metro sequer de linhas de ferro ligando o interior a capital. Até o Crato, é presumível que os três caixotes com mais de 400kg de equipamentos tenham sido conduzidos em carros de boi.

Somente em 21 de janeiro de 1863, o relógio foi montado e posto para trabalhar,  demanda que se prolongou, uma vez que não havia mão de obra qualificada, e também por ter existido a necessidade de fazer novas arrecadações para custear a montagem, tendo sido o artesão, Vicente Ferreira da Silva, o responsável por colocar a máquina em operação, com grande dificuldade, mas notável genialidade, uma vez que a torre não possuía todos os elementos necessários para receber o relógio, o que forço Mestre Vicente a fabricar peças complementares, no que foi bem sucedido. As máquinas da Ungerer são bastante simples e robustas, uma característica já conhecida pelos cratenses, vide a nota veiculada pelo “O Araripe”, em uma de suas edições de 1861:

“O machinismo é muito simples, e todas as peças de uma solidez que resistirá a todas as influências das estações, e afrontará os séculos”.

É notória a resistência da máquina. Em 12 de dezembro de 1982, um incêndio alarmou a população do Crato, a torre do relógio em chamas, e o risco de o fogo atingir o restante do templo, fez com que muitas pessoas caíssem em verdadeiro desespero. Na torre, além do relógio, dois sinos fundidos no Pernambuco, e bastante ornamentados, também representavam valioso patrimônio, um datado de 1848, e outro maior, datado de 1869, ambos também resistiram ao fogo voraz.

Em 1983, foi concluída a restauração do relógio, que foi executada pelo técnico, Nonato Barbosa. As escadas e patamares em madeira foram substituídos por uma laje e uma escada em ferro, que deram muito mais segurança aos operadores. Bem conservado e com funcionamento regular, o relógio fica sob os cuidados do sacristão, Mateus, que foi também responsável por me recepcionar e me acompanhar durante a visita a torre. Agradeço também ao Pe. José Vicente, e ao Pe. Francisco Roserlândio, que possibilitaram a produção desse material.

Plaqueta da reforma, apesar do desgaste, é possível verificar que foi o técnico, Nonato Barbosa, o responsável por dar nova vida ao Ungerer.
Escada de acesso.
Detalhes de um dos sinos.
Acadêmico de História na Universidade Regional do Cariri (URCA), foi secretário geral do Instituto Cultural do Cariri (ICC) e conselheiro de cultura do Crato. Fundou o Cariri das Antigas em 2014, e desenvolve pesquisas na área de História Política e Social. Atuou como bolsista da FUNCAP no projeto "Biopoder, Saúde e Saber médico: O Hospital Manuel de Abreu e as práticas de cura e controle da tuberculose na Região do Cariri nos anos de 1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Egberto Melo. É diretor administrativo do Clube do Automóvel do Cariri - Siqueira Campos, sendo o historiador responsável pela edição do periódico do clube, fruto de suas pesquisas acerca da história do automóvel no Brasil, com recorte entre as décadas de 1890 e 1990. Tem como pesquisa de trabalho de conclusão de curso, a História e Desenvolvimento da Aviação no Cariri, com enfoque principal na atuação do Correio Aéreo Militar.