Samuel Wagner Marques de Almeida nasceu em 07 de Setembro de 1945, na ainda pacata Juazeiro do Norte, e era filho de José Marques da Silva e Maria Almeida Marques. Desde tenra idade, Samuel tinha duas paixões: aviação e rádio; junto dos irmãos brincava de radialista, lia as noticias dos periódicos da região e munido de discos de 78rpm embalava os ouvintes de sua estação; era um modo dedistrair-se da rígida educação que seguia na escolinha de Dona Toinha Gonçalves, afamada professora particular que dava aulas de primeiras letras e reforço no Bairro do Socorro, mesmo bairro onde nosso futuro aviador residia com a família, e em conversas com os pais dizia sempre que iria ser piloto da aeronáutica, afirmação que preocupava bastante a mãe, que receava o ingresso dos filhos em carreira militar.

Dona Maria ainda conseguiu dissuadir alguns filhos a desistir, diante dos riscos e obrigações da vida militar, mas Samuel tinha verdadeira fascinação pela Força Aérea, ao ponto de sentir-se muito bem no traje de gala do Colégio Salesiano, onde concluiu seus estudos ginasiais, e que lembrava muito aos trajes oficiais da Aeronáutica. Era o prenuncio de uma carreira brilhante, que se iniciaria em 1963 com sua ida a Fortaleza, onde cursou um pré-vestibular específico para aspirantes as Forças Armadas, após o término do cientifico no Colégio Menezes Pimentel.

Foram meses de muita aplicação nos estudos, em 1964 a tão esperada aprovação ao curso de cadetes foi anunciada e o jovem seguiu para Barbacena, em Minas Gerais, onde está situada a Escola Preparatória de Cadetes do Ar, lá viveu os primeiros momentos da carreira militar e aprendeu os fundamentos da Aeronáutica, passando por bases aéreas do Brasil inteiro, e seguindo em 1966 para Campos Afonsos, um dos principais locais de preparação da Força Aérea; também foi lá que em 1970 recebeu o espadim de aviador. A ascensão de Samuel foi meteórica, servindo em muitas missões de transporte, patrulha e outras naturezas, rapidamente acumulou horas de voo e prestigio suficiente para galgar o posto de 2° Tenente em 06 de Agosto de 1970, alguns meses após sua formatura, segundo nos informa o Diário de Noticias(RJ) do mesmo dia.

Estabelecida a rotina de oficial, e viajando por todo o país, foi em São Paulo que nosso aviador estabeleceu família, em 1971, união da qual nasceu sua única filha, Claudia; segundo os amigos e familiares, Samuel era muito ligado a família, e anualmente visitava a sua terra natal, onde dedicava maior parte do tempo em realizar visitas aos primos, irmãos, amigos e conhecidos, que relembram sua natureza amistosa e alegre.

O ingresso de Samuel nas Força Aérea coincidiu com a fase de construção da rodovia Transamazônica e também o programa de construção de aeroportos na Amazônia. Foi nesse cenário que ele executou suas principais missões, em sua maioria voltadas para o transporte de tropas, material para construção, veículos e mantimentos, tal era a demanda de seus serviços naquela parte do país, o que culminou com sua transferência para a Base Aérea de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, que era comandada pelo Coronel José Hélio de Macedo, homem com fortes raízes no Cariri e muitas horas de cockpit, e que escolheu o jovem juazeirense para ser seu copiloto no comando do C-115 Búfalo, aeronave incorporada a Força Aérea Brasileira em 1968, voltada para ao transporte de cargas e tropas, e que tinha sua operação focada em pistas curtas, sendo ideal para as operações na Amazônia e seus campos de pouso, em muitos casos, sem asfalto ou qualquer outra infraestrutura.

Foi justamente em uma aeronave desse tipo, de matrícula 2366, que decolaram pontualmente as 07:00 da manhã de 18 de Setembro de 1974, o comandante, José Hélio de Macedo, o copiloto, Samuel Wagner de Almeida, o comandante da 9° Região Militar, Alberto Carlos de Mendonça Filho, que havia assumido o posto há apenas nove dias e estava inspecionando os locais por onde passaria o comandante do II Exército, General Ednard D`Avila Melo. Ainda no avião estavam o antigo chefe do Serviço Nacional de Informações(SNI), principal braço de inteligência da Ditadura Militar(1964-1985), Ângelo Irulegui, que a época estava comandando a 4° Divisão de Cavalaria, e mais outros 16 oficiais das forças armadas.

Era uma manhã sombria e com muita cerração, ainda assim o avião seguiu viagem, decolando de Ponta Porã com destino a Campo Grande, mas devido ao mau tempo, durante o voo foi decidido abortar a viagem e retornar ao ponto inicial; em uma primeira tentativa de pouso, o comandante Hélio preferiu arremeter e manter a segurança da operação, feito o circuito novamente, a segunda aproximação também não foi bem sucedida, sendo que desta vez o copiloto, Samuel Wagner, informou ao operador de rádio que devido a neblina iriam tentar nova aproximação, seria a última vez que a voz do aviador juazeirense era captada pelo rádio, eram 07:26 da manhã. Os serviços de investigação da época apontaram que teria havido desorientação espacial, tudo muito envolto em mistério até hoje, o fato é que após a cabeceira da pista o avião colidiu com várias árvores, postes e uma caixa d´àgua. Os motores General Eletric “urraram” em sua potência máxima, despejando seus 3.000SHP em uma tentativa desesperada da tripulação de recuperar altitude e evitar danos maiores, mas foi em vão, a primeira explosão ocorreu ainda no ar, e segundos depois o choque fatal contra o solo, que quase atingiu uma igreja usada como escola e que estava abarrotada de crianças.

O Brasil inteiro parou para acompanhar as noticias que chegavam a todo momento sobre tamanha tragédia, para complementar o quadro dramático, no Rio Grande do Norte um Xavante explodiu em pleno voo matando os dois ocupantes, encerrava-se assim a carreira de muitos, inclusive a bastante curta de Samuel Wagner Marques de Almeida, que havia completado 29 anos há apenas 11 dias, deixava uma filha ainda nos primeiros anos de vida, esposa enlutada, família e amigos, e uma promoção para capitão encaminhada desde 1972, quando se tornou 1° Tenente, e que viria post mortem.

Juazeiro do Norte ficou atônita com o acontecido. O jovem aviador, que devido seu pioneirismo tinha se tornado influência para muitos – o que fazia de suas visitas a cidade um acontecimento, tamanha era a procura por ele e seus conselhos sobre a carreira de cadete – não iria mais realizar o sonho de se aposentar e fundar uma rádio em sua terra natal, não mais visitaria os sobrinhos trazendo presentes da Zona Franca de Manaus; uma morte sentida por muitos ainda hoje, e envolta em mistérios, quer seja pelo laudo de acidente bastante vago e concluído em tempo recorde, quer seja pelos ocupantes da aeronave na qual ele compartilhava o comando, em sua maioria “gente graúda” das forças armadas; eram os anos de chumbo, e até seu sepultamento em São Paulo, no Cemitério da Quarta Parada, foi cercado por vigilância militar e acesso restrito, fato que se repetiu no enterro dos outros companheiros de tripulação e ocupantes do avião acidentado.

Raimundo Tadeu, hoje empresário em Juazeiro do Norte, foi companheiro do nosso aviador na academia da Força Aérea em 1968, por curtos dois meses, enquanto executava exames de saúde para sua admissão na Aeronáutica, e recorda o perfil prestativo e o excelente profissional que foi o Capitão Samuel Wagner, reforçando: “Roberto, faça um belo artigo sobre Samuel, ele merece”. 43 anos após o falecimento de Samuel Wagner, é notório o legado do aviador juazeirense, gerações inteiras tomaram seu pioneirismo como exemplo, inclusive eu, que a partir da figura dele e do Brigadeiro José Sampaio tomei interesse por estudar a história da aviação no Cariri, e admito que fiquei muito feliz em vasculhar arquivos e memórias ao montar esse texto, mas principalmente em saber que as homenagens ao capitão não se restringirão a uma praça na sua cidade natal e um monumento no Mato Grosso, mas que um outro monumento, dessa vez em Juazeiro do Norte, já está em fase avançada de projeto, que contará com a carcaça de um jato da F.A.B suspenso em uma base, junto de uma placa em memória do primeiro oficial aviador desta cidade, assim me informou o irmão do mesmo, o muito solicito e querido, Daniel Walker; é o tipo de coisa que me anima o espirito.

Agradecimentos a Renato Casimiro, Raimundo Tadeu, e principalmente ao
casal, Daniel Walker e Tereza Neuma, que me receberam em sua casa e
dedicaram boa parte de seu tempo a me contar a história de Samuel.

Clique aqui, e saiba mais sobre como apoiar o Cariri das Antigas: http://bit.ly/2OOQhLb

amazon.com.br
Roberto Junior
Acadêmico de História na Universidade Regional do Cariri (URCA), foi secretário geral do Instituto Cultural do Cariri (ICC) e conselheiro de cultura do Crato. Fundou o Cariri das Antigas em 2014, e desenvolve pesquisas na área de História Política e Social. Atuou como bolsista da FUNCAP no projeto "Biopoder, Saúde e Saber médico: O Hospital Manuel de Abreu e as práticas de cura e controle da tuberculose na Região do Cariri nos anos de 1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Egberto Melo. É diretor administrativo do Clube do Automóvel do Cariri - Siqueira Campos, sendo o historiador responsável pela edição do periódico do clube, fruto de suas pesquisas acerca da história do automóvel no Brasil, com recorte entre as décadas de 1890 e 1990. Tem como pesquisa de trabalho de conclusão de curso, a História e Desenvolvimento da Aviação no Cariri, com enfoque principal na atuação do Correio Aéreo Militar.