Poucas arquiteturas são tão marcantes no Cariri como a do prédio da Ordem da Sagrada Família, em Crato. A construção foi iniciada em 1946, tendo como data de inauguração da capela provisória o dia 14 de Julho de 1947, e da inauguração do Seminário, 07 de Julho de 1948, em solenidade marcada pela presença de autoridades regionais, como Dom Francisco de Assis Pires, bispo da Diocese de Crato, e o médico Irineu Nogueira Pinheiro, que atuou como cerimonialista.

Instalada no Crato desde o inicio dos anos 1940, a ordem criada por John Bethier em 1895, e aprovada pelo episcopado em 1904, desembarcou no Brasil em 1910, dois anos após o falecimento do seu fundador, ocorrido em 16 de Outubro de 1908. O primeiro seminário da congregação foi inaugurado em 17 de Novembro de 1932, em Santo Ângelo, Rio Grande do Sul, seria para esta instituição que os seminaristas de Crato seriam enviados para completude de suas formações eclesiásticas.

A integração dos padres da ordem a dinâmica social da cidade foi interessante, figuras como os padres, Frederico Nierhoff e Xavier Nierhoff, estão ainda nos dias atuais bastante vivas na oralidade popular, detalhes como o sotaque e a estatura alta para os padrões da época ficaram registrados nas crónicas e até livros. Bastante próxima da comunidade, a ordem abria o seminário e sede para celebrações e ações sociais, conhecidos como “Padres Operários”, fizeram diversas intervenções e tomaram partido em muitas obras sociais da cidade, como a construção de igrejas e residências.

O Golpe Militar de 1964 trouxe consequências severas para o Brasil, e em escala regional não foi diferente, um dos exemplos disso é a saída do Crato da Ordem da Sagrada Família, que em discordância em relação a Diocese de Crato e setores influentes da sociedade cratense, posicionou-se contrária ao regime recém-instaurado e viu suas margens de influência serem minadas aos poucos, vindo a sofrer também extensa campanha difamatória, campanhas essas geralmente xenófobas, fazendo alusão a origem alemã dos padres e ao regime nazista de Adolf Hitler, ao ponto de a disposição em “H” do blocos do prédio de seu seminário ter sido associada a reverências ao sobrenome do ditador supracitado. Tamanhos ataques resultaram na retirada gradual da ordem, que em 1969 já não mais contava efetivos no Crato.

Fechado durante poucos anos, o prédio foi arrendado pelo renomado médico e político, Humberto Macário de Brito, que ali instalou um centro especializado no tratamento da tuberculose, e que foi batizado de Hospital Manuel de Abreu, uma clara referência ao inventor da abreugrafia, exame utilizado na detecção da doença causada pelo Bacilo de Koch. A inauguração do novo empreendimento se deu em 17 de Fevereiro de 1973, e contou com a participação de diversas autoridades regionais e estaduais, assim como também apresentações artísticas.

Credenciado ao INPS, e posteriormente recebendo fundos do FUNRURAL para o tratamento da tuberculose, o hospital se afirmou como referência clinica no Cariri e expandiu suas atividades, tendo atuado também na clinica geral, maternidade e realização de exames. Fechado parcialmente desde 2014, o prédio de arquitetura marcante, cheia de elementos que fazem referência a Art Déco e ao Modernismo, amarga o abandono e as depredações, sendo que o mesmo ainda possui relevante volume de documentos e objetos que fazem referência ao seu período como seminário e como hospital.

O Hospital Hoje

Em nossa primeira visita ao local, em 2016, constatamos uma enorme viabilidade de restauro, e iniciamos um trabalho pioneiro de conscientização patrimonial, o que pode ter gerado um incremento no número de visitantes a construção e o engrossamento das fileiras que pedem a conservação da mesma, o que talvez esteja gerando bons resultados, uma vez que o governo estadual e municipal voltaram seus olhos para a aquisição do prédio, algo bastante noticiado na região, mas que por hora não possuímos mais detalhes.

Confira mais fotos na galeria abaixo:

 

Fontes:

  • Efemérides do Cariri – Irineu Pinheiro 
  • Cidade do Crato – J. de Figueiredo Filho e Irineu Pinheiro
  • Só no Crato – Ivens Mourão
  • Almanaque do Cariri
  • Artigo de Adeildo Sousa
  • Depoimentos de J. Flávio Vieira e Maria do Socorro Moreira

Fotos de Roberto Júnior, Thai Feitosa e Fernando Dias.

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Roberto Junior
Acadêmico de História na Universidade Regional do Cariri (URCA), foi secretário geral do Instituto Cultural do Cariri (ICC) e conselheiro de cultura do Crato. Fundou o Cariri das Antigas em 2014, e desenvolve pesquisas na área de História Política e Social. Atuou como bolsista da FUNCAP no projeto "Biopoder, Saúde e Saber médico: O Hospital Manuel de Abreu e as práticas de cura e controle da tuberculose na Região do Cariri nos anos de 1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco Egberto Melo. É diretor administrativo do Clube do Automóvel do Cariri - Siqueira Campos, sendo o historiador responsável pela edição do periódico do clube, fruto de suas pesquisas acerca da história do automóvel no Brasil, com recorte entre as décadas de 1890 e 1990. Tem como pesquisa de trabalho de conclusão de curso, a História e Desenvolvimento da Aviação no Cariri, com enfoque principal na atuação do Correio Aéreo Militar.