O QUE ERA A “SOPA”?
O Cariri cearense é uma região cheia de peculiaridades, muitas das quais retratadas por viajantes de outras regiões e países, como George Gardner, e o escultor Agostinho Balmes Odísio, que viveu em Juazeiro do Norte entre 1934 e 1940, e deixou marcas profundas na arquitetura e arte do local e arredores. Balmes nasceu em Turin, na Itália, no recuado ano de 1881, e chegou ao Brasil em 1913, onde se fixou em São Paulo, e de lá saiu somente em 1934, com rumo a Juazeiro do Norte, onde rapidamente foi notado pela população em geral, mas especialmente pela alta classe, que era capaz de pagar por seus serviços.
Em sua estadia, escreveu um diário sobre suas percepções e vivências no local, sendo interessante a situação que viveu quando se deparou com um ônibus primitivo, ainda com carroceira de madeira, e conhecido mais amplamente como “jardineira”, mas que nestas terras era chamado de “sopa”, e fazia a ligação entre as cidades vizinhas. Os fundamentos desse nome tão peculiar eu não consegui encontrar, mas em Juazeiro eram tradicionais as “Sopas” de Seu Rochinha e outros, este primeiro possuía residência na Rua São José e sua garagem era próxima.
A utilização de comerciais leves e pesados no Cariri ocorreu de forma tímida durante a década de 1920, existindo registros, principalmente, do Ford Model TT, e posteriormente o Model AA, ambos em suas versões mais leves, devido a facilidade de manutenção, fornecimento de peças e representação comercial em Fortaleza e Recife. Durante o transporte de tropas dos Batalhões Patrióticos até Campos Sales, os caminhões foram importantes aliados, como mostra o registro abaixo:
O DESENVOLVIMENTO DO USO DO AUTOMÓVEL NO CARIRI
As condições das estradas e a dificuldade de manutenção foram os entraves principais para a inserção do automóvel na região. Com a chegada da Estrada de Ferro de Baturité, tais deficiências foram sanadas, principalmente o fornecimento de combustível. Muitos comerciantes e proprietários de terra não utilizavam automóveis, apesar do lastro financeiro suficiente, pois consideravam supérfluo um investimento tão alto, em um item que na época tinha elevado índice de desvalorização, entretanto, o cenário mudava quando se tratava dos comerciais leves e pesados, e também as máquinas agrícolas. Apesar de custarem bem mais caro que um automóvel, serviam para gerar renda, ou explorar as potencialidades das propriedades, sendo assim enxergados como investimento. Era prática comum também, a aquisição de automóveis comuns, que eram alugados a profissionais liberais, que cumpriam a função do que hoje conhecemos como taxistas, um dos exemplos clássicos é o de Pedro Maia, no Crato, que manteve seu Ford 1932 até a década de 1980. Também é importante citar a figura de Odilon Maia Figueiredo, que como motorista de caminhão, conseguiu amealhar capital suficiente para investir em imóveis e uma casa de peças para veículos pesados, sendo exitoso, e adentrando a década de 1940 como um homem bem sucedido.
Na década de 1930, a frota regional passou por franca expansão, com o surgimento das primeiras oficinas especializadas em automóveis (antes a manutenção carecia não só de peças, mas também de mão de obra especializada). Os veículos eram trazidos ao Brasil, em sua maioria, por importadores independentes, ou no caso da Ford e GM, em sistema CKD (parcialmente desmontados), sendo concluída a montagem nas plantas brasileiras, e posteriormente distribuídas as unidades para venda.
Atualmente, ao apresentar um defeito, nossos veículos são conduzidos ao concessionário mais próximo ou oficina de confiança. Nas duas primeiras décadas era bastante complexa a utilização de automóveis na região, mas eles existiam em dezenas, como nos mostram os registros fotográficos da época. Entretanto, nem todos os locais eram acessíveis a eles, como em 1934, quando Mestre Pelúsio precisou transportar o relógio que fabricou para a matriz de Jardim, e teve de recorrer aos carros de boi. Desbravar as estradas, como fizeram Siqueira Campos e Dr. Floro Bartholomeu, custava tempo e dinheiro, e muitos optavam pelas vias já existentes. Todavia, nas incursões feitas pelas força pública do Ceará no Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, em Crato, se valeram do uso de caminhões, e também de aviões, estes pertencentes a Aviação do Exército, que era responsável pelo serviço do Correio Aéreo Militar, inaugurado em fevereiro de 1933 em Crato e Juazeiro do Norte.
O primeiro automóvel que chegou ao Cariri, foi um Ford Model T, em 29 de setembro de 1919. Vindo do Recife, trazendo o rico comerciante, Manoel Siqueira Campos, dono de uma fábrica de bebidas e outros investimentos no Crato, o automóvel penou para chegar até aqui. Relatos dão conta de que houveram atrasos na viagem, por conta da necessidade de alargar as estradas em alguns trechos, tarefa empreendida pelos auxiliares do comerciante. No Crato, ponto principal dos investimentos de Siqueira Campos, o comerciante financiou a construção da estrada do Lameiro, e influenciou o Cel. Antonio Luiz Alves Pequeno, a época intendente do munícipio, a urbanizar algumas ruas da cidade, para facilitar a circulação de automóveis. Durante sua estada no Cariri, Siqueira Campos também visitou a cidade vizinha, Juazeiro do Norte, vindo pela estrada das Malvas, e sendo recepcionado com festejos pelos moradores do lugar, que desconheciam o exitoso produto da gigante norte americana.
A iniciativa de Siqueira Campos incentivou muitos caririenses, dentre eles o próprio Padre Cícero Romão Batista, que ainda na década de 1920 adquiriu seu primeiro automóvel, um Ford, que posteriormente foi sucedido por um Studebaker. Na cidade do Padre, José Geraldo da Cruz, farmacêutico de grande êxito, e Doroteu Sobreira, também adquiram automóveis em meados de 1923.
Adentrando a década de 1940, surgiram as primeiras casas de peça do Cariri, como a F.C. Pierre, em Crato, que fornecia itens essenciais, como pneus, baterias e etc. Os carros se tornaram mais confiáveis, e passaram a integrar ainda mais a paisagem das cidades, principalmente as mais desenvolvidas, como Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha. Também passaram a circular ônibus com carroceria em metal, que faziam o transporte interestadual, apesar das precárias condições das estradas. Nos Pós-Guerra, a região foi bombardeada com motocicletas da Douglas e Harley Davidson, assim como os utilitários fora de estrada, como o Jeep e os Land Rover Serie 1, este último em pouquíssima quantidade, havendo registro de somente um exemplar, em Juazeiro do Norte, conhecido pelos constantes problemas mecânicos, provenientes da falta de manutenção.
Voltando as “Sopas”, a nomenclatura perdurou durante muito tempo, mesmo com o surgimentos dos “misto”, caminhões que possuíam uma cabine de madeira anexa ao chassi e a cabine de aço, e também a chegada dos primeiros ônibus com carroceria totalmente em metal, com aparência mais próxima ao que possuímos hoje, mas que também foram apelidados de “Sopa”.
A década de 1950 foi especial, principalmente por conta da pujança econômica experimentada por alguns caririenses, assim os moradores da região começaram a avistar os primeiros carros de elevado luxo, como os Cadillac e Lincoln, marcas que antes circulavam no Cariri somente em ocasiões especiais, como a visita de Moreira da Rocha, a época presidente do estado, que trouxe um Cadillac em sua comitiva para o lançamento da pedra fundamental das estações de Juazeiro do Norte e Crato, no ano de 1925. Com o GEIA, implementado pelo governo de Juscelino Kubitschek, o Brasil finalmente deu seus primeiros passos rumo a uma indústria efetivamente nacional, a Willys Overland rapidamente assumiu o posto de maior empresa nacional, com o sucesso do Jeep, da Pick-up Jeep e da Willys Station Wagon, posteriormente chamada de Rural, e por fim, o Aero Willys, carro preferido dos chaffeurs de praça. Foi justamente da Willys a primeira concessionária do Cariri, localizada na Praça Siqueira Campos, em Crato.
Na década seguinte, os Volkswagen começaram a ganhar as ruas da região, e também vieram a ter sua concessionária, a DRASA, localizada também no Crato, que sediou posteriormente a SODAL, concessionária da Chevrolet. Em Juazeiro do Norte, a CRAJUBAR VEÍCULOS fez história representando a Ford, e recheando nossas ruas com Galaxies, Landaus, F100, Corceis, Belinas e outros da linha da montadora.
ABAIXO RECLAMES COMERCIAIS DAS MONTADORAS, POR MEIO DOS SEUS REPRESENTANTES NO CEARÁ.
FONTES E REFERÊNCIAS
Efemérides do Cariri – Irineu Pinheiro; Pgs.208
A Praça Padre Cícero – Daniel Walker; Pgs.106
Memórias sobre Juazeiro do Padre Cícero – Agostinho Balmes Odísio; Pgs. 03